A companhia Flyer Cia de Dança estreia nos dias 20 e 21 de setembro o espetáculo "Quando Não Fui Primavera", cuja proposta é refletir sobre os ciclos existenciais humanos por meio da linguagem da dança contemporânea. A montagem se estrutura a partir da metáfora das estações do ano, com foco em momentos de silêncio interior e transições emocionais.
A obra parte da analogia entre as estações climáticas e os estados internos do ser humano, especialmente o outono, simbolizando os períodos de retração, afastamento e estagnação. O espetáculo destaca que esses momentos não são definitivos e que o renascimento é parte do ciclo natural da vida.
A proposta coreográfica utiliza movimentos que remetem à aridez, à pausa e à escuta do próprio corpo, com cenas que evidenciam a passagem do tempo e as mudanças que ocorrem a partir da escuta interior. O espetáculo se propõe a construir uma narrativa visual em que os intérpretes expressam transições emocionais por meio de gestos e deslocamentos cênicos.
Com concepção baseada em uma estrutura poética, a encenação busca provocar reflexão sobre temas como perda, transformação e regeneração. Os elementos cênicos priorizam o uso do espaço, a respiração entre os movimentos e a construção de atmosferas que dialogam com experiências subjetivas dos espectadores.
O título da obra remete a momentos nos quais o indivíduo não se reconhece em seu próprio ciclo de florescimento. "Quando Não Fui Primavera" alude à ausência de vitalidade e à percepção de um tempo em que as potencialidades pessoais se encontram latentes ou estagnadas.
Silêncio e o tempo do corpo
Leandro Mota, diretor da companhia, diz que optou por um processo criativo centrado na escuta dos intérpretes e na elaboração coletiva das cenas. "Os bailarinos foram convidados a investigar memórias pessoais relacionadas a momentos de ruptura ou silêncio, que foram posteriormente transpostos para o vocabulário corporal da obra".
Cada quadro coreográfico busca representar um aspecto do ciclo existencial, com movimentos que evocam o recolhimento, a queda, o esvaziamento e, posteriormente, o retorno do movimento, do fluxo e da presença no corpo.
O espetáculo é dividido em momentos que seguem essa progressão, sem narrativas lineares ou personagens definidos.
A ausência de trilha sonora com letra reforça a proposta de valorização do silêncio e do tempo interno dos movimentos. Em alguns trechos, sons incidentais e pausas prolongadas são utilizados como recursos para evidenciar as transições entre os estados internos dos intérpretes.
A cenografia é composta por elementos minimalistas que buscam não interferir na construção corporal da narrativa. O figurino segue a mesma lógica, priorizando a neutralidade para que os corpos em cena sejam os principais vetores de sentido. A iluminação atua como elemento narrativo, marcando mudanças de fase e acentuando variações de intensidade emocional ao longo da apresentação.
De acordo com Mota, a obra não tem como objetivo contar uma história tradicional, mas oferecer ao público uma experiência sensorial que remeta a vivências internas universais. A estrutura fragmentada e contemplativa da obra exige do espectador um posicionamento ativo de interpretação.
A Flyer Cia de Dança é um grupo independente que atua com foco em criações autorais dentro da linguagem da dança contemporânea. A companhia já realizou montagens anteriores com temáticas voltadas à subjetividade, ao corpo em transformação e à escuta do tempo. Com "Quando Não Fui Primavera", o grupo dá continuidade a uma pesquisa sobre corporalidades em estados de transição.
O espetáculo é resultado de um processo colaborativo que envolveu experimentações corporais, laboratórios criativos e estudos sobre ciclos naturais e simbólicos. A escolha pela abordagem não verbal visa possibilitar múltiplas interpretações, abrindo espaço para que cada espectador possa estabelecer relações subjetivas com a obra.