Jesuíta a céu aberto

Homem com H é exibido para 1,5 mil pessoas às margens do Lago Paranoá

Por Thamiris de Azevedo

Jesuíta estudou Ney por meses para incorporá-lo

O Correio da Manhã esteve presente e acompanhou de perto a experiência do maior cinema a céu aberto da América Latina. Sob a lua cheia da última terça-feira (10), a tela de 325 m2, do tamanho de uma quadra de tênis, reuniu 1,5 mil espectadores às margens do Lago Paranoá para assistir à exibição de “Homem com H”, no Open Air. O filme conta a história de vida, e de luta para existir como é, do cantor Ney Matogrosso, ícone da música brasileira, interpretado por Jesuíta Barbosa, que concedeu ao Correio entrevista exclusiva.

O cinema foi instalado no Pontão do Lago Sul e fica até 15 de junho. Em algumas noites, as sessões são seguidas de uma atração musical. No primeiro dia, foi a vez da Catto. A cantora, que está se revelando como uma das vozes mais ímpares da música contemporânea, cantou as músicas do seu disco “Belezas São Coisas Acesas por Dentro”. O álbum homenageia, com um toque especial de melodrama das interpretações da Catto, as canções de Gal Costa.

O Open Air é um cinema itinerante, e sua superestrutura já passou por sete cidades brasileiras e por Lisboa e Madri, capitais de Portugal e da Espanha, na Europa. Essa foi a terceira vez que a gigante tela retangular se instalou aqui no Quadradinho, depois de nove anos sem vir.

“Transmutar o meu corpo”, diz ator sobre interpretação
Em entrevista exclusiva, Jesuíta conta seu processo para incorporar Ney Matogrosso

Ao Correio da Manhã, Jesuíta Barbosa explicou como foi seu caminho para chegar à personificação de Ney Matogrosso. Barbosa explica que todo o processo foi composto por cinco frentes, e conta que observou, de perto, o próprio Ney para se inspirar.

“Foram cinco profissionais envolvidos. Fizemos uma bateria de ensaios durante mais de dois meses, e foi muito importante estar com todo o elenco presente ensaiando cada cena com minúcia e atenção para o que ia acontecer. Então, tudo era elaborado em sala de ensaio junto à direção, com o diretor pensando junto o roteiro. Eu também estive perto do Ney, e foi muito importante tê-lo como uma fonte. Tentei captar a importância de todas as histórias”, afirma.

Postura

Para Jesuíta, o maior desafio foi a interpretação gestual. E, também, o melhor resultado. “Para mim, foi um desafio entender como aquele corpo se desenrolava. Tentei estar atento à energia dele, para compreender os gestos, a voz, movimentação... É o que eu tentei transferir para o personagem. Quis trazer uma um corpo vivo, dilatado, muito bonito, como é o corpo do Ney. Ele tem uma postura corporal muito bonita, dentro e fora dos palcos, com uma saúde implacável. Eu tentei achar esse lugar em mim e transmutar para o meu corpo. Eu quis muito que o público percebesse isso, e como aquele corpo se desenrolava no palco e na vida pessoal do Ney”.

“Eu confesso, eu me senti Ney a partir do meu corpo. Esse Ney possível. Essa figura real, com toda sua magnitude, mas transformado pelo meu corpo. Eu o senti no meu ser”, revela.

Masculinidade

O filme trata também sobre o arquétipo feminino dentro do masculino. Demonstra que a masculinidade é plural, e pode ser descontruída dentro do estereótipo que a sociedade construiu em cima da imagem de um “Homem com H”. Sob essa análise, a reportagem perguntou como o Jesuíta avalia essa situação.

“Eu não sei... É difícil avaliar masculinidade. É um termo que eu acho que precisamos conversar e dabater sempre. Eu acho que existe realmente uma fragilidade quando existe a necessidade de que o macho se destaque. Quando a gente fala sobre masculinidade, parece que ele precisa soar duro, rígido, e na verdade não é sobre isso. São corpos diferentes, o masculino e o feminino, mas eles habitam um no outro. Acho que o feminino está presente no corpo masculino, e o masculino está presente no corpo feminino também. Somos uma sociedade. Nossa cultura pode absorver das duas fontes. E eu acho que é um meio disso, entre o masculino e o feminino, e é isso o que interessa. Todas as pluralidades de gêneros”, destaca.

Reverência

Por fim, o ator ressalta a grandiosidade de Ney Matogrosso para o cenário artístico brasileiro.

“O Ney é um grande artista, um dos maiores que nós temos aqui no Brasil, e acho que ele representa o país muito bem internacionalmente. Então, eu dou toda a reverência a este grande artista. Estou muito feliz de tê-lo interpretado no cinema”, comemora.

Jeusuíta também falou sobre como aprendeu com o silêncio do cantor. “Eu vou levar para a minha vida o que tem de melhor deste papel. O Ney tem muita coisa boa. Acho que aprendi muito sobre o silêncio dele. Sobre o ouvir. Ele para, para escutar alguma coisa. É preciso ouvir uma música para conseguir interpretá-la, para conseguir responder. Acho que ele tem a escuta como escolha. E eu acho que a gente precisa ouvir enquanto sociedade. A gente precisa saber ouvir”.