Mia Andrade
O Brasil tem enfrentado desde o final do ano passado um aumento significativo nos casos de dengue. Conforme os dados divulgados pelo Ministério da Saúde na última quarta-feira (25), até o momento 2024 registrou 120.874 casos e 12 mortes. Em comparação ao mesmo período de 2023, foram contabilizados 26 óbitos e 44.753 casos prováveis. Oito estados e no Distrito Federal estão em alerta. O Rio de Janeiro e o DF decretaram na semana passada estado de emergência em saúde.
No Distrito Federal, os casos de dengue nas três primeiras semanas de 2024 aumentaram 646% em comparação ao mesmo período do ano passado. Foram registrados 17.150 casos suspeitos e 16.628 foram classificados como casos prováveis pela própria Secretaria de Saúde do DF. Em 2023, foram 2.154 casos prováveis da doença.
Mato alto
Maria do Carmo Oliveira, 63 anos, mora em Samambaia e pegou a doença no começo de janeiro. "Eu tomo bastante cuidado aqui em casa, principalmente porque cuido da minha mãe, por isso que sei que foi por conta dos lotes vazios que estão aqui perto. O mato alto e a falta de cuidados é o lugar onde eles [o mosquito] fazem a festa e se espalham mais e mais. Por isso tem tantas pessoas doentes por aqui", relata.
Samambaia é a quarta região com maior incidência da dengue, com 997 casos registrados, segundo os dados do boletim epidemiológico do DF. Ceilândia vem em seguida, com 3.963 casos, seguida por Sol Nascente / Pôr do Sol (1.110) e Brazlândia (1.045). Três óbitos já foram confirmados no DF este ano.
Almir Silva, um pedreiro que atua nas cidades do DF de Samambaia e Ceilândia, contraiu a doença na segunda semana do ano. Ele já tinha sido vítima da dengue há alguns anos. Percebeu, então, que estava com os mesmos sintomas e decidiu procurar assistência na rede de saúde pública.
"Não sei se contraí o vírus em um dos locais em que trabalho ou onde moro. Em casa, mantemos o local limpo e ninguém da minha família adoeceu. Meu corpo enfraqueceu, senti dores intensas, o que prejudicou meu desempenho no trabalho. O mais frustrante é a falta de opções para lidar com a situação. Não há um remédio específico, e temos que lidar com os sintomas que impactam diretamente na qualidade de vida. Mesmo após uma melhora, percebo que não estou completamente recuperado e me sinto 100% cansado o tempo inteiro", relatou.
"Vejo muita gente que tem cuidado aqui na rua. As pessoas mantêm suas casas limpas. O problema é que existem muitos lotes abandonados, cheios de mato, baldes, pneus e outros lugares para foco. Esses casos acontecem porque uma pessoa descuida e os outros sofrem com as consequências. Não é como se as pessoas não soubessem dos cuidados existentes, elas apenas ignoram", afirma Maria do Carmo.
Causas para o aumento
Em 2023, o país registrou mais de 1,6 milhões de casos de dengue, uma marca inédita, segundo o médico-infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), Kleber Luz. "Por conta da covid-19, tanto a população como os profissionais da saúde voltaram suas atenções para a pandemia e deixaram de lado a dengue. Embora compreensível dadas as circunstâncias de pandemia, a mudança de foco teve repercussões significativas no ano passado, e a tendência para este ano segue a mesma", explica.
O especialista destaca que o aumento da incidência da doença está principalmente relacionado às condições climáticas, onde as chuvas intensas e o calor em excesso, influenciados pelo fenômeno El Niño, criam um ambiente propício para a reprodução do mosquito. "Quando a temperatura aumenta um grau, o mosquito se reproduz mais rápido. Não é apenas a taxa de reprodução que aumenta; ele não apenas se multiplica mais rapidamente, mas também tem um tempo de vida mais longo. Portanto, se torna uma arma biológica potente", alerta.
Luz alerta que, se não houver uma intervenção mais ativa, é possível que o país chegue à marca de dois milhões de casos até o meio do ano. O especialista destaca que o principal caminho para evitar a situação é a conscientização da população.
"É crucial que as secretarias, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e postos de saúde forneçam informações precisas para a população para que as pessoas possam se conscientizar e não criar o mosquito em casa. O governo desempenha um papel evidente nesse contexto de combate e prevenção, pois é remunerado para administrar a saúde; contudo, se trata de uma responsabilidade de toda a sociedade", aponta.
Vacinação
O governo anunciou que a vacinação contra a dengue começará em fevereiro, priorizando crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, grupo com alta hospitalização pela doença. A campanha abrange 521 municípios em 16 estados e no Distrito Federal, em 37 regiões endêmicas. As doses permitiram imunizar apenas cerca de 4 milhões de pessoas.
"A imunização definitivamente vai ajudar e vai desempenhar um papel de imunidade rebanho, onde a proteção de um grande número de indivíduos ajuda a conter a propagação da dengue. Entretanto, a limitação no número de doses disponíveis ainda é um desafio já que a quantidade de pessoas imunizadas ainda será baixa. Por isso, a situação ainda irá necessitar de esforços coordenados", explica.
Ações
Na última quinta-feira (25), a Secretaria de Saúde do Distrito Federal anunciou que iria buscar apoio do Ministério da Defesa e do Exército para intensificar as ações de combate ao mosquito Aedes aegypti. A pasta destacou que órgãos como o Serviço de Limpeza Urbana (SLU), a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros já estão envolvidos na fiscalização contra o descarte irregular de resíduos, visando eliminar possíveis focos da dengue.
Em resposta à explosão de casos de dengue, o governo do Distrito Federal declarou situação de emergência, conforme divulgado em edição extra do Diário Oficial do DF na última quinta-feira (25). O reconhecimento da emergência visa mobilizar recursos e ações de maneira ágil para enfrentar a crise sanitária.
Já a estratégia de imunização foi apresentada em entrevista coletiva na sede do Ministério da Saúde, em Brasília, também na quinta-feira. Durante a entrevista, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, destacou que o enfrentamento à doença deve ser resultado de esforços conjuntos. "O combate à dengue é uma ação de governo, mas também deve ser uma ação de cada cidadão. É necessário lembrar que 75% dos focos do mosquito estão nas casas, então essa união de esforços é crucial", ressaltou.
Nísia também abordou a chegada da vacina ao país e enfatizou que o ministério continuará trabalhando para consolidar a imunização contra a dengue. "A vacina é uma novidade auspiciosa, um instrumento de saúde fundamental. No entanto, a indústria tem um número limitado de doses para atender um país grande como o nosso. Vamos continuar trabalhando para aumentar essa escala de produção em colaboração com a empresa", afirmou.
O diretor do Programa Nacional de Imunizações (PNI), Eder Gatti, acrescentou que, embora a vacina seja uma tecnologia essencial, não se pode abrir mão de outros cuidados com a doença. O Brasil continuará em busca de mais imunizantes ao longo dos anos, esperando a contribuição de outros produtores.