Por: Marcello Sigwalt

Especial | Siderúrgicas retomam a pressão contra aço da China

Siderúrgicas pressionam o governo a taxar aço que vem da China para o Brasil | Foto: Divulgação

Por Marcello Sigwalt

Especial para Correio da Manhã

 

'Quem fez o filho, que agora o embale'. O velho ditado, sempre atual, se encaixa como 'luva' na nova trapalhada do governo federal, que anunciou - a título de 'proteger' o parque industrial nacional - a decisão de elevar (em até 25%) o imposto de importação de 18 tipos de aço, encarecendo o custo de produção de diversas cadeias industriais, sob pena de 'desindustrializar' ainda mais o país.

Neste caso, estariam um grupo de 120 mil empresas (incluindo a construção civil, automotivo, máquinas e equipamentos, eletrodomésticos, indústria naval, transportes, ferrovias, entre outros), sob a liderança de uma coalizão formada por 16 entidades.

Em lados opostos

Conforme reportagem do jornal Estado de São Paulo, enquanto pesos-pesados siderúrgicos - como Gerdau, ArcelorMittal e Usiminas (representadas pelo Instituo Aço Brasil e CSN) que, por meio do lobby político, pressionam o Executivo a aumentar, entre 12% a 25% a importação de aço - consumidores do insumo advertem que a medida do Planalto pode amplificar o risco de desindustrialização, caso se confirme.

Risco de 'desindustrialização'

Sobre o risco de 'desindustrialização', o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) José Velloso, advertiu que "o aumento de taxas do aço importado poderia gerar impacto direto nos custos para a fabricação de máquinas", ao calcular que, "dependendo do tipo, a produção deve ficar 2,3% a 10% mais cara. Portanto, se houver aumento no preço dos nossos produtos, ocorre aumento no custo de investimento do Brasil, além da perda de competitividade das máquinas nacionais ante às importadas".

Forte consumidora de vergalhão, a construção civil também poderá ser duramente afetada pela iniciativa palaciana, admite o vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Eduardo Aroeira, ao acentuar que o aço corresponde a um custo variável de 6% a 8% das obras de moradias populares, segmento contemplado pelo programa federal 'Minha Casa, Minha Vida', além de onerar, de 8% a 15%, empreendimentos de infraestrutura e 8% a 9%, no caso de construções imobiliárias no geral.

Ameaça recorrente

Por sua vez, as siderúrgicas redobraram a pressão sobre o governo, mediante a recorrente ameaça, de suspenderem investimentos ou promoverem demissões, ante ao que classificaram como 'invasão' do aço importado.

Entre tais peças de retaliação disponíveis, destaque para o grupo siderúrgico Aperam South America, que já anunciou o adiamento da terceira fase de seu plano de investimentos no Brasil, para o biênio 2024/2025, que estaria calcado em fatores, como o "momento de adversidade enfrentado pela indústria siderúrgica brasileira, com o excesso de aço importado no mercado e a queda nas vendas". Em consequência, o projeto adiado pela empresa - que previa a instalação de um novo laminador a frio na usina de Timóteo (MG) e criaria até 1,5 mil vagas temporárias - pode agora 'nem sair do papel'.

Solução sem prazo

Pendengas setoriais à parte, caberá ao Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex-Camex) - composto por representantes de dez ministérios e presidido pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e vice-presidente da República, Geraldo Alckmin - arbitrar uma decisão final sobre o mérito da questão. Embora não haja previsão para a próxima reunião, o colegiado emitiu nota, na qual admite que o pleito do Instituto Aço Brasil (de sobretaxação do aço importado) 'estaria em fase de análise'.

Margem 'esperta'

Enquanto uma solução de curto prazo para o imbróglio governamental está descartada, consumidores de aço avaliam que a sobretaxação do aço seria um expediente para que as siderúrgicas ganhassem margem, a fim de elevar, em seguida, os preços do produto nacional. Estudos de mercado, por seu turno, apontam que as importações de aço só oferecem vantagens à economia brasileira, quando o valor for inferior a, no mínimo, em 15%, em comparação ao similar nacional, vantagem normalmente associada a variáveis como riscos de frete marítimo e oscilações cambiais.

Siderúrgicas ameaçam

Dando o tom siderúrgico para o impasse, o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes considera a 'situação extremamente difícil': "Se nada for feito, esses mesmos setores que estão fazendo essas ilações vão sofrer as consequências por conta do desdobramento desta crise. O que vai acontecer é que veremos novas paralisações de usinas, vai faltar aço no mercado interno e haverá um desarranjo da cadeia produtiva".

CSN defende taxação

O presidente da CSN, Benjamin Steinbruch, defende a taxação do aço vindo da China: "O governo brasileiro já deveria ter adotado práticas para proteger a indústria nacional" . Seguindo essa linha de raciocínio, Steinbruch é incisivo: "O Brasil tem medo de negociar com a China", diz, e prossegue informando que o volume de aço chinês que vem para o Brasil é pequeno, se comprado ao produzido pelo gigante asiático. As declarações do executivo foram dada durante a realização do CSN e CSN Mineração Day, em dezembro de 2023.

"Temos como taxação um critério que vai de 10% a 16% para o aço importado. Já no México, na comunidade europeia, no Canadá e nos Estados Unidos, a taxação é de 25%", enfatiza, acrescentando que as siderúrgicas brasileiras, ao exportar aço, já pagam uma alíquota de 25%, enquanto o Brasil não impõe a mesma regra para outras empresas internacionais..

Usiminas beneficiada

Mais cético, o analista do Itaú BBA, Daniel Sasson, vê poucas chances de o governo, de fato, sobretaxar em 25% a importação de aço, uma vez que a medida representaria uma "mudança no jogo", embora reconheça que esta beneficiaria mais diretamente a Usiminas.

"Vemos a Usiminas se beneficiando um pouco mais pela maior exposição ao negócio de siderurgia doméstico. É importante lembrar que a Gerdau tem metade dos resultados fora do Brasil, e para a CSN, metade dos resultados são apurados a partir das atividades de mineração. Então, eu diria que a Usiminas deve ser a mais beneficiada nesse cenário", concluiu Sasson.

'Abaixo do nível'

Já o diagnóstico do analista da Genial Investimentos, Igor Guedes, é mais incisivo. Para ele, as siderúrgicas estariam 'desesperadas' para aumentar preços, uma vez que suas margens (diferença entre custo e venda do produto) apresentam hoje um nível abaixo do patamar tradicional. A previsão de Guedes é de que o governo deve promover algum 'movimento de defesa comercial', mas abaixo do pleito de sobretaxação de 25% sobre o aço, pleiteado pelas siderúrgicas, para algo em torno de 17%.

 

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