Putin culpabiliza a Europa
Europa vive histeria militar e Rússia pode responder, disse o russo
Por Igor Gielow (Folhapress)
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, culpou na quinta (2) a Europa pelo impasse nas negociações de paz da Guerra da Ucrânia, dizendo que o continente vive uma militarização causada por "histeria" e luta por procuração contra Moscou no vizinho invadido em 2022.
Em longo discurso de quase quatro horas na reunião anual do Clube Valdai, centro de debates associado ao Kremlin, o russo mirou suas baterias contra os europeus e majoritariamente poupou os Estados Unidos de Donald Trump em um momento em que o presidente americano dá sinais de uma inflexão pró-Kiev no manejo da diplomacia do conflito.
Uma exceção foi a ventilada entrega de mísseis de cruzeiro americanos Tomahawk para a Ucrânia. "É impossível usá-los sem a participação direta de militares americanos. Isso significaria um estágio de escalada completamente novo, incluindo nas relações entre Rússia e EUA", afirmou.
Outra estocada em Trump veio de forma indireta, quando disse que não sabia se ele estava sendo irônico ao dizer que a Rússia era um "tigre de papel" por não ter conquistado rapidamente a Ucrânia. Ao mesmo tempo, elogiou o americano como alguém "que sabe ouvir".
"Se nós somos um tigre de papel, o que é a Otan?", afirmou, sobre a aliança militar liderada pelos EUA. "Nós temos as forças mais preparadas para combate no mundo hoje", completou, voltando a dizer que os países da Otan lutam uma guerra por procuração contra Moscou na Ucrânia.
A fala programada em Sochi, no sul russo, ocorreu em paralelo à reunião dos líderes da União Europeia com Volodimir Zelenski, o presidente da Ucrânia.
"A elites governantes da Europa unida continuam a estimular histeria. De repente, a guerra com os russos está praticamente à sua porta. Eles repetem esse absurdo, esse mantra, o tempo todo", afirmou, negando novamente em público intenção de atacar os vizinhos como fez com a Ucrânia.
Na prática, é uma proposição complexa, dado que há na Europa 30 dos 32 membros da Otan, que tem por regra a defesa mútua. Mas uma série de incidentes recentes, como a intrusão de drones russos na Polônia e caças na Estônia, elevou ainda mais as tensões.
Putin fez piada, dizendo que não mais voaria drones sobre a Dinamarca. "Eu prometo", riu, sobre o episódio em que aeroportos do país nórdico foram fechados por avistamento das aeronaves não tripuladas. E ainda disse que "não temos drones capazes de chegar a Lisboa".
Ele afirmou que os europeus são hoje o principal obstáculo à paz na guerra que ele começo, e foi direto ante as promessas de militarização continental. "Se alguém ainda tem o desejo de competir conosco na esfera militar, sinta-se à vontade, vai lá. As contramedidas russas não demorarão a chegar", afirmou.
Ao mesmo tempo, afirmou que "não podemos simplesmente ignorar o que está acontecendo", ao dizer que "estamos monitorando de perto a escalada militar da Europa". E ainda puxou a história para provocar os alemães, que mudaram regras constitucionais para se rearmar.
"A Alemanha diz que seu exército tem de ser o mais poderoso da Europa. Ótimo. Nós ouvimos com atenção, entendendo o que isso significa", remetendo aos militarismos prussiano e nazista.
Putin espezinhou os rivais. "Se acalmem e cuidem de seus problemas. Basta olhar o que está acontecendo nas ruas das cidades europeias", afirmou, sem citar o incidente notável do dia, o ataque a uma sinagoga que deixou dois mortos em Manchester.
Queixou-se da França, que deteve um petroleiro suspeito de carregar óleo russo em sua costa. "É pirataria."
Chamou a atenção na fala de Putin o cálculo de não provocar Trump, que começou seu mandato neste ano abrindo as portas para o russo, retomando negociações e até o convidando a ir ao Alasca. Ao fim, nada disso aproximou a Guerra da Ucrânia do fim, ao contrário.
A violência de lado a lado tem subido, com o proporcional maior efeito em solo ucraniano. Trump tem repetido que perdeu a paciência com Putin, mas passou a empurrar a conta de novas sanções aos europeus, exigindo que eles parem de comprar petróleo russo de vez.
Isso é lido em Moscou como um sinal de continuidade na boa vontade.
Como o tema do encontro do Valdai este ano era o mundo multipolar, uma obsessão de Putin, o russo defendeu a ONU "apesar de seus problemas". Também agradeceu aos Brics, bloco que inclui Rússia, China, Brasil, Índia e outros, países árabes e a Coreia do Norte pela ajuda em busca da paz na Ucrânia.