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Há 55 anos, nascia a Barra da Tijuca

Muitos moradores da Barra não devem saber ao certo quem foi Lúcio Costa, que dá nome à avenida litorânea do bairro. Alguns devem lembrá-lo como um dos construtores de Brasília, ao lado de Oscar Niemeyer. No entanto, o urbanista é famoso por outro feito: o plano piloto de ocupação da Baixada de Jacarepaguá, elaborado em 1969 e que completa 55 anos em 2024.

Lúcio Costa era brasileiro de coração, mas francês de berço, pois nasceu em 1902 na cidade de Toulon. Em 1917 ele vem para o Brasil, onde cursa arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio, graduando-se em 1924.

Seis anos depois, é convidado para dirigir o curso na própria escola, com o objetivo de oxigenar e dar ênfase a arquitetura moderna. Um de seus alunos foi justamente Oscar Niemeyer, com quem viria a elaborar, em 1957, o projeto da nova capital federal, inaugurada em 1960.

Diante do sucesso de Brasília, Lúcio Costa é convidado pelo então governador da Guanabara, Negrão de Lima, para criar um plano de ocupação urbana no Rio, na área da Baixada de Jacarepaguá. Não foi por acaso, como ressalta o doutor em urbanismo Carlos Eduardo Nunes-Ferreira, reitor e professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UVA, que os projetos de Brasília e Barra ficaram tão parecidos. Ambos tiveram como inspiração a chamada "Ville Contemporaine", do arquiteto franco-suiço Le Corbusier:

"Além do imaginário expresso nos desenhos para a ville contemporaine, a ideia de uma cidade-parque com torres espa- çadas e os princípios da Carta de Atenas, fortemente atribuídos a Le Corbusier, contribuíram para esta influência. Por outro lado, as características naturais da Barra ou, mais amplamente, da Baixada de Jacarepaguá tiveram um papel único e fundamental na concepção do plano piloto", diz Nunes-Ferreira, autor do livro "Barra da Tijuca: o presente do futuro".

O arquiteto, entretanto, ressalta diferenças entre os planos de ocupação e ordenamento urbano de Brasília e do bairro carioca:

"A estrutura é semelhante porque segue o mesmo modelo: eixos viários estruturantes, grandes áreas verdes, edificações isoladas e zoneamento rígido. A grande diferença é o propósito: Brasília foi erguida para ser uma capital e um símbolo nacional, enquanto o Plano Piloto para a Barra pretendia ordenar uma ocupação imobiliária iminente à época", afirma o arquiteto.

Lúcio Costa elaborou a área do atual Centro Metropolitano como o centro nervoso da ocupação, seguindo os moldes de Le Corbusier. No entorno, estariam residenciais de 70 metros de altura, juntamente com empresariais de menor porte (35 metros). Ao Sul, o plano piloto previa conjuntos residenciais. A região mais distante do Centro Metropolitano reservava os Centros da Barra e Sernambetiba, com um novo mix de condomínios e empresariais, de porte menor ao central.

Mas as modificações no projeto foram inevitáveis, pelo próprio crescimento da cidade, como descreve Nunes-Ferreira:

"A estrutura básica permanece: a alternância entre casas, edifícios baixos e, principalmente, os núcleos de torres localizados ao longo do eixo principal. Por outro lado, muitas vias não foram concluídas até hoje, sobrecarregando a Avenida das Américas. A ocupação da avenida litorânea comprometeu o "ar agreste" que Lúcio Costa queria preservar. Mas o maior contraste ficou mesmo com o aspecto de cidade genérica que a Barra tem hoje", explica o professor.

De acordo com dados obtidos na Secretaria Municipal de Urbanismo, o primeiro passo para a montagem do plano piloto original seria revogar, em parte, o antigo Plano de Diretrizes de Vias Arteriais, de 1951, em favor da adoção de três centros urbanos principais — Centro Metropolitano, Centro da Barra e Centro de Sernambetiba — e numerosos núcleos urbanizados ao longo do eixo principal.

Se pensarmos o plano nos dias atuais, os condomínios Rio2, Novo Leblon, Nova Ipanema e Riviera Dei Fiori se encaixariam perfeitamente nas características de ocupação dos residenciais do Centro da Barra. Assim como a região do Centro de Sernambetiba, ocupado atualmente por prédios construídos, em sua maioria, pela Encol (que já faliu) e de shoppings, como Downtown e Cittá Office Mall. Mas, diante dessas modificações, o próprio autor do Plano o largou, como relata Nunes-Ferreira:

"O próprio Lúcio Costa afastou-se da supervisão do Plano quando as coisas tomaram um rumo diferente do que ele previa, já que ele reconhecia que "a realidade é mais rica do que a nossa imaginação", disse Nunes.

No final do século XX e início do século XXI, iniciou-se a expansão urbanística na Barra. As longas avenidas projetas por Lúcio Costa se mantiveram, porém, sem as vias arteriais necessárias para suprir as demandas das principais. Os grandes condomínios foram o ponto inicial para que as pessoas saíssem de outros lugares da cidade para a Barra, encontrando na região um ponto de equilíbrio para se morar com mais tranquilidade. Dentre esses condomínios, podemos destacar Mandala, Barramares, Atlântico Sul, Parque das Rosas, Península Cidade Jardim, Pedra de Itaúna, Ilha Pura e Riserva Uno, entre outros.

Uma das últimas mudanças no plano diretor, com base em dados da Secretaria de Urbanismo, foi a aprovação do Plano de Estruturação Urbana das Vargens, quando foram criadas regras de utilização de instrumentos de gestão do uso e ocupação do solo, em virtude do movimento de expansão bastante acelerado na direção do Recreio, com o objetivo de viabilizar o incremento da infraestrutura na região.

Além disso, foi importante a criação do Parque Natural Municipal Nelson Mandela, em 2011, que consolidou a área ao longo da orla marítima, na faixa limitada pelas lagoas de Jacarepaguá, como Reserva Biológica. O aproveitamento dessas regiões, juntamente com outros projetos para a construção de hotéis e áreas de lazer, como o Parque Olímpico e o Campo de Golfe, para que o Rio pudesse sediar os Jogos Olímpicos Rio-2016.

De acordo com Nunes-Ferreira, o principal desafio da Barra da Tijuca, agora, é se atualizar sem perder algumas características positivas do Plano: a amplitude, a onipresença da natureza, a boa exposição ao sol, a ventilação permanente, entre outros:

"Este é um primeiro passo para a requalificação dos espaços verdadeiramente públicos da Barra. Já que as maiores mudanças de conceito foram: a sustentabilidade e a mudança do modelo de mobilidade urbana, advindas do colapso do modelo rodoviarista e dos desafios climáticos e econômicos do nosso tempo", conclui o arquiteto.

*Matéria originalmente publicada no Correio da Manhã, de 19 a 26 de setembro de 2019,

edição 24.439