Por: Igor Gielow
A guerra energética que acompanha o conflito na Ucrânia teve um desenvolvimento dramático nesta terça (14): a Rússia anunciou que irá cortar 40% do fornecimento do gás natural pela principal via que abastece a Alemanha.
A justificativa da estatal russa Gazprom é técnica, mas não muito: ela afirma que faltam equipamentos alemães da marca Siemens na estação onde o gás é comprimido para sua viagem por mais de 1.000 km sob o mar Báltico até chegar a Lubmin.
Os compressores não foram enviados devido às sanções europeias contra a Rússia, determinadas na esteira da invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro.
"O abastecimento de gás através do gasoduto Nord Stream 1 pode acontecer atualmente com uma quantidade de até 100 milhões de metros cúbicos por dia", afirmou a Gazprom.
O volume é 40% menor do que a capacidade diária. Até aqui, os russos só haviam cortado fornecimento de países que se negaram a pagar pela energia em rublos, manobra usada pelo Kremlin para valorizar sua moeda.
Pelo Nord Stream 1, projeto inaugurado em 2012, passam anualmente até 60% do gás russo vendido à Alemanha. Seu ramal gêmeo foi concluído em setembro do ano passado, e retiraria dos antigos gasodutos soviéticos que passam pela Ucrânia todo o trânsito do produto para a maior economia europeia.
Berlim, sob o comando do premiê Olaf Scholz desde dezembro, congelou o Nord Stream 2 devido ao perigo de guerra e, depois, o encerrou na prática com a invasão. Mas a atitude alemã é considerada ambígua, e o governo foi cobrado nesta mesma terça pelo presidente Volodimir Zelenski a ser mais duro com Moscou.
É uma sinuca complexa. Cerca de 40% das necessidades energéticas alemãs até 2021 eram supridas por Moscou. Scholz aceitou a redução paulatina na compra de petróleo, enquanto a União Europeia pressionava por um embargo total, mas até agora ninguém teve coragem de mexer com o gás.
Os gigantescos campos russos são o motor da indústria europeia, e no caso do gás há o componente político mais evidente: o aquecimento das residências é usualmente feito a partir do insumo. Neste momento a Europa está sob o calor do verão, mas o rigor do inverno e do humor dos eleitores está ali na esquina, queixa de Kiev, que é emulada há anos pelos Estados Unidos e Reino Unido, distantes dessa dependência, é de que Vladimir Putin financia sua economia e sua máquina de guerra com tal atitude. Um estudo divulgado nesta semana dá uma dimensão da questão.
Feita pelo Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo de Helsinque, a análise mostra que Moscou ganhou US$ 97 bilhões (R$ 500 bilhões) nos 100 primeiros dias da guerra vendendo energia -praticamente US$ 1 bilhão diários.
"Os valores vêm caindo desde março, mas são 60% maiores do que no mesmo período do ano passado", afirma o relatório.
Isso com um desconto médio de 30% que a Rosneft, a Petrobras russa, tem dado para atiçar o apetite de novos clientes, como a Índia -que comprou mais petróleo russo no primeiro quadrimestre deste ano do que em 2021 inteiro, e quer mais.
Essa compensação passa pelo aumento dos preços dos hidrocarbonetos, o que vem ajudando a gerar a inflação registrada na Europa e nos EUA, a maior em 40 anos. Isso tudo tem preço político, levando ao que o governo alemão já chamou de "fadiga do Ocidente" com a guerra e o consequente apoio à beligerância defensiva de Kiev.
Na Rússia, o petróleo paga royalties diretos para o Tesouro, podendo assim ser apontado como um motor para a área de defesa. Segundo os finlandeses, 63% dos ganhos russos com energia vêm desse setor.
O Ministério das Finanças da Rússia afirmou que foram gastos com defesa US$ 25 bilhões (R$ 127 bilhões) de janeiro a abril, mas os números parecem inconfiáveis.
Já o gás, responsável por 32% dos valores, é assunto privativo da Gazprom -que, como a maior empresa do país e envolvida em diversos ramos de atividades, acaba sendo indutora do esforço do Kremlin para sobreviver às sanções aplicadas pelo Ocidente e seus aliados. Ela paga dividendos ao Estado, seu controlador, mas não royalties.