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Mudança tática sugere dificuldade da Rússia no leste da Ucrânia

Por: Igor Gielow

A evolução da batalha do Donbass, a região do leste da Ucrânia que pode definir o rumo da guerra iniciada por Vladimir Putin em 24 de fevereiro, sugere a dificuldade que os russos têm em sustentar a ofensiva com os soldados de que dispõe.

Desde o final da semana passada, há sinais claros de que as forças russas retiraram seus homens do entorno de Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, que fica a noroeste das duas regiões que compõem o Donbass, Donetsk e Lugansk.

Nesta segunda (16), o Ministério da Defesa da Ucrânia divulgou imagens celebrando o que seria a chegada de seus homens à fronteira da região de Kharkiv, onde fica a capital homônima, com a Rússia. Isso indicaria o fim do risco de um cerco.

Os ataque ali prosseguiram no fim de semana e na segunda, mas com mísseis disparados por aviões em espaço aéreo russo. Ao mesmo tempo, há relatos de concentração de forças em torno de Severodonetsk, cidade que, apesar do nome, fica na região de Lugansk. Na semana passada, a Rússia já havia tomado áreas estratégicas por ali.

Segundo a análise de entidades ocidentais como o Instituto de Estudos da Guerra (EUA) e de observadores russos em seus canais no Telegram, o grosso dos combates deverá ocorrer por lá. Se isso for confirmado, a ideia russa de cercar todas as forças ucranianas em Donetsk e Lugansk parece ter sido abandonado por falta de forças, mais um fracasso militar para Putin.

Ao atacar Severodontesk, o objetivo mais factível de tomar toda Lugansk fica evidente. Daí talvez o próximo passo seja as áreas ucranianas de Donetsk, mostrando que não há energia russa para executar de forma mais rápida sua vontade declarada de tomar todo o Donbass.

Essa meta foi anunciada pelo governo russo após o que chamou de primeira fase da operação militar no país vizinho, no mês passado. Na realidade, Moscou fracassou em tomar Kiev e orquestrou uma invasão com muitas frentes e poucas forças, subestimando a resistência ucraniana e o apoio militar que ela recebe do Ocidente.

A segunda fase, no Donbass, de todo modo está de acordo com o que Putin anunciou em 24 de fevereiro: proteger das autoproclamadas repúblicas populares do leste da Ucrânia. Elas reclamam para si os territórios históricos das duas províncias de Donetsk e Lugansk desde que entraram em guerra civil com Kiev, em 2014.

"A operação no Donbass fracassou", escreveu em seu canal no Telegram Igor Girkin, que foi um dos principais comandantes militares da guerra civil e hoje vive em Moscou. Colocando um grão de sal na avaliação, visto que ele foi tirado por Moscou das ações na Ucrânia, é uma voz que conhece a realidade local.

Ele emula o que dizem outros analistas russos: que apenas uma mobilização maior e uma brutalidade ainda mais aumentada poderão trazer algum tipo de vitória a Putin. Até aqui, o russo se negou a isso, buscando dar um caráter limitado à guerra.

O Ocidente dizia que a Rússia concentrou talvez 200 mil homens para a ação, 150 mil deles nas linhas de frente. Hoje, analistas veem o número de 80 mil soldados como mais provável.

O Reino Unido diz que um terço dos batalhões táticos da invasão foi tirado de combate, ou seja, perdeu ao menos 50% de sua força –numa conta de padaria levando em conta a relação entre mortos e feridos oficial russa, que é inconfiável, são de 3 mil a 10 mil caídos.

Analistas como Michael Kofman, do centro CNA (EUA), supõem que uma mobilização talvez não resolva o problema mais imediato, por trazer conscritos e reservistas com pouco treino.

Um mês após seu começo, a batalha do Donbass por ora só trouxe ganhos táticos, a maior parte deles para a Rússia, mas ainda não mudou a realidade estratégica. Putin parece contar com que a guerra de atrito acabe por facilitar um avanço maior, dando condições para encerrar as hostilidades numa posição de força –tendo tomado mais território do que tinha antes.

Isso estaria consolidado com o controle do sul ucraniano, cada vez mais desenhado como anexação pura e simples do corredor entre a região russa de Rostov e a Crimeia, anexada em 2014. A dúvida que fica é se Putin conseguiria manter tais ganhos caso não haja paz e uma guerra de intensidade menor se estabeleça na região.

Outro ponto é o alcance do russo. Baseado num escorregão verbal aparente de um general russo, é consenso no Ocidente que o plano do Kremlin inclui tomar o resto da costa do mar Negro e unir seu controle com a região separatista russa da Transdnístria, na vizinha Moldova. Mas ninguém de fato sabe o que quer Putin.

Essa incerteza, somada à opacidade acerca do que realmente acontece nos campos de batalha, coloca em dúvida qualquer assertiva sobre a guerra. De lado a lado: as repetidas falas de Volodimir Zelenski acerca das dificuldades no leste podem ser retrato da realidade ou apenas um apelo do presidente ucraniano por mais armas e dinheiro.

O cenário, contudo, parece insinuar um prolongamento da guerra. Aí, o estabelecimento de linhas mais ou menos claras pode até facilitar a ideia de um cessar-fogo, embora Kiev se recuse a discutir isso. Nesta segunda, o chanceler Dmitro Kuleba disse em entrevista à TV Bloomberg que "procurar opções para Putin livrar sua cara é simplesmente uma abordagem falsa".

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