Por: Marcos Guedes
Campeão da NBA em 2015, 2017 e 2018, o Golden State Warriors viu sua dinastia se desfazer na final de 2019, com as graves lesões de Kevin Durant e Klay Thompson e a saída do primeiro após a derrota para o Toronto Raptors. Quatro anos depois do último título, a formação californiana é novamente dona da liga norte-americana de basquete.
A equipe dirigida por Steve Kerr conquistou o título da temporada 2021/22 com uma vitória por 103 a 90 sobre o Boston Celtics, na noite de quinta-feira (16), em Boston. Fechou em 4 a 2 a série decisiva e voltou a erguer o troféu Larry O'Brien, um retorno à glória que só foi possível graças à frieza da direção para fazer escolhas duras e ao calor de um atleta outrora considerado frio.
Andrew Wiggins, 27, não é o melhor jogador dos Warriors, um time com a cara do craque Stephen Curry, 34. Mas o Golden State não teria retornado ao topo sem o trabalho do ala, que era tratado como um talento desperdiçado, alguém que parecia não gostar suficiente do esporte para se tornar um jogador de impacto.
O impacto do canadense, no entanto, foi sensível na final. Sua força na defesa se mostrou fundamental para frear o principal talento do adversário, o ala Jayson Tatum, 24. E, quando foi necessário que assumisse maior responsabilidade no ataque -como no fundamental jogo 5, de atípica imprecisão de Curry-, ele o fez.
"Eu sempre fui um competidor, sempre quis vencer. Isso nunca deveria ter sido questionado", afirmou Wiggins. "Eu só estava em um time que perdia. Agora, estou em um time que ganha. Então, o pessoal aprecia mais, é o que ganhar faz. Todos querem ganhar, mas nem todos conseguem. E as pessoas respeitam os vencedores. Mas, repito, nunca deveria ter sido questionado."
Foi.
Selecionado em primeiro lugar no "draft", o sistema de recrutamento de calouros da NBA, em 2014, o jogador foi imediatamente trocado pelo veterano Kevin Love, que ajudou LeBron James a ser campeão no Cleveland Cavaliers.
Foi tratado como o nome do futuro do Minnesota Timberwolves, algo que não se materializou.
Foram repetidos fracassos e apenas uma aparição nos mata-matas, em 2018, com derrota por 4 a 1 na primeira rodada. Então, a direção dos Timberwolves desistiu da dupla que nunca engrenava, ficando com Karl-Anthony Towns e liberando Andrew para os Warriors -à época donos da pior campanha da liga.
Não se registrou a chegada do atleta ao Golden State como um grande reforço. Parecia mais um movimento lateral da equipe da Bay Area, na Califórnia. Mas, de ajuste em ajuste, o time foi se remodelando como uma das forças do campeonato, algo solidificado com a ascensão de jovens como Jordan Poole, 22, e a recuperação física de Thompson, 32.
No caminho, houve decisões difíceis. Logo após a catástrofe na final de 2019, o presidente de operações de basquete, Bob Myers, teve uma conversa franca com Andre Iguodala, símbolo da franquia e eleito o melhor jogador das finais de 2015, dizendo: "Olha, talvez nós tenhamos que trocá-lo".
"Eu fiquei devastado. Pensei: 'Meu Deus, estamos perdendo parte da nossa alma'", recordou o técnico Steve Kerr, que, como Curry, inicialmente teve dificuldade para compreender a negociação com o Memphis Grizzlies. "É por isso que treinadores não devem acumular a função de gerente. Se fosse eu no comando, não teria feito o acordo. E não estaria aqui com o Wiggins."
Pelo sistema de teto salarial coletivo da NBA, manter Iguodala limitaria a arquitetura do elenco e impediria seu rejuvenescimento. Andre partiu. E, na saída de Durant, que decidiu jogar no Brooklyn Nets, os Warriors conseguiram uma troca que lhes deu D'Angelo Russell, então um armador de 23 anos com potencial de crescimento.
Se Russell não funcionasse, já que seu estilo de jogo se chocava com o de Curry, haveria interessados para nova troca. Foi o que ocorreu, e D'Angelo foi parar no Minnesota. Era parte do acordo que levou Andrew Wiggins ao Golden State e permitiu aos Warriors chegar a seu sétimo título na liga - agora atrás apenas de Los Angeles Lakers e Boston Celtics, ambos com 17.
Justas ou não as críticas, Wiggins passou a mostrar o espírito competitivo que os detratores não viam, sobretudo nesta temporada, o que lhe rendeu convocação para o Jogo das Estrelas. Rodeado de campeões e de um técnico excepcional, deixou de lado o rótulo "bust", como os norte-americanos chamam os atletas que iniciam suas carreiras sob grande expectativa e decepcionam.
"É uma cultura vencedora. Eles venceram antes e dominaram a NBA. Então, quando cheguei, eles me colocaram em uma posição para o sucesso. Sempre tiram de você o melhor e querem o melhor para você. Não há egos, todos estão preocupados em vencer. E dão apoio, ajudam", afirmou o canadense.
Se não virou instantaneamente um Draymond Green, 32, que é o coração dos Warriors e atua sempre em alta voltagem, Andrew passou a exibir mais vibração em quadra -por mais que diga nada ter mudado. No jogo 5, noite na qual Curry acertou zero dos nove arremessos de três que tentou, Wiggins decidiu com 26 pontos e 13 rebotes. A vitória foi praticamente selada em uma enterrada na qual gritou ferozmente, encarando rivais.
Faltava um triunfo, e os Warriors resolveram não esperar o sétimo jogo, que seria novamente em San Francisco. Atuando em Boston, mostraram ser a equipe mais experiente, dominaram boa parte das ações e venceram, com Stephen Curry novamente Stephen Curry: 34 pontos, sete assistências, sete rebotes, seis acertos de três em 11 arremessos.
Quando o cronômetro ficou zerado, diante de um ginásio cabisbaixo, Andrew Wiggins pulou em júbilo. Estava com ele na festa Andre Iguodala, 38, que entendera por que precisava ter saído em 2019 e retornou como um coadjuvante, chamado ocasionalmente para contribuir por breves minutos nas partidas.
A fria troca que tirou "parte da alma" do Golden State, como descreveu Kerr, permitiu o jogo quente dos Warriors diante do Boston Celtics.