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Pedras no caminho da Argentina

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Apesar da apreensão da comunidade artística da Argentina diante dos novos ventos culturais bafejados pela gestão do presidente Javier Milei, a recente produção audiovisual de nuestros hermanos segue a deslumbrar olhares nos grandes festivais de cinema, sobretudo os classe AA da Europa. Em fevereiro, a Berlinale, na Alemanha, deu o Urso de Ouro de melhor curta a "Un Movimiento Extraño", de Francisco Lezama, egresso de Buenos Aires. Em agosto, "El Jockey", de Luis Ortega, encantou Veneza, na briga pelo Leão de Ouro. Com a maratona cinéfila de San Sebastián, no País Basco, a situação é a mesma: a cidade enche de elogios o portenho "Simón de la Montaña", de Federico Luis. Sua narrativa chegou às telas da Espanha endossada pela conquista do Grand Prix da Semana da Crítica, seção paralela do Festival de Cannes, na França, que celebra cineastas em início de carreira.

Construído numa tênue fronteira entre ficção e realismo documental, "Simón de la Montaña" narra o processo de amadurecimento de um jovem de 21 anos (vivido por Lorenzo Ferro), que, no coração da Cordilheira dos Andes, junta-se a um grupo de adolescentes neurodivergentes abandonados à própria sorte.

Na entrevista a seguir, Federico implode uma série de signos que cercam a construção do longa, um dos favoritos ao prêmio Horizontes Latinos de San Sebastián.

RODRIGO FONSECA: De que maneira a vitória de "Simón de la Montaña" em Cannes e sua passagem gloriosa por San Sebastián, em meio ao estabelecimento das políticas de Javier Milei, podem simbolizar um gesto de resistência do cinema argentino ao avanço de uma política conservadora?

FEDERICO LUIS: Meu longa fez parte do grupo dos três últimos filmes que foram finalizados antes da mudança de governo no meu país. É quase um marco histórico de uma etapa que acaba e de outra, mais solitária para os artistas, que começa. É curioso criar uma analogia entre a nossa realidade atual e a trama que filmei. Nela, Simón se vê diante do desafio de escolher que decisões vai tomar para seu futuro. Nós, que fazemos cinema na Argentina, estamos na mesma situação: o que fazer agora¿

RF Que metáfora está por trás da geografia de pedras em que "Simón de la Montaña" se passa?

FL: Queria que a montanha fosse mais do que paisagem, simbolizando um chamado para uma reflexão. Montanhas são fenômenos geográficos isolados, que nos levam a pensar no que está longe. Escalar suas pedras é desafiar a distância, é um convite a um reconhecimento de terreno, a um reconhecimento de nós mesmos. Naquela força natural, Simón e seus companheiros têm vivências de comédia, de drama, de ação, de vários registros, e saem dela transformados.

RF: Cannes se encantou por sua habilidade de mesclar elementos documentais e ficcionais na construção de seus personagens. Como foi o processo com seu elenco de atores não profissionais?

FL: Existe uma conexão com o mito bíblico de Simão do Deserto que passa pelo enfrentamento do desejo. Além desses simbolismos, que buscamos explorar, houve um código documental na observação daquele mundo, o que não excluiu um trabalho de preparação com ensaios. Há uma visão equivocada de que as atuações de pessoas PCD sempre são "naturais", de improviso. No nosso caso não foi. Houve muito ensaio.

No sábado serão conhecidos os vencedores da seção latina de San Sebastián, que tem Juliana Rojas (de SP) no páreo com "Cidade, Campo".