Crianças neurodivergentes: inclusão ainda é promessa distante?
Especialistas alertam: para que a inclusão seja real, é preciso investir na formação de professores, rever práticas pedagógicas e garantir apoio multiprofissional
Mais de 70% das crianças neurodivergentes no Brasil ainda não recebem suporte pedagógico adequado. Embora a palavra inclusão esteja presente em praticamente todos os discursos sobre educação, a realidade nas salas de aula ainda está longe de refletir essa promessa.
“Colocar a criança na sala de aula não é incluí-la. Inclusão é garantir que ela aprenda, participe e se sinta pertencente ao ambiente escolar”, afirma a psicopedagoga Ana Carla Neto, especialista em aprendizagem e educação inclusiva.
Uma lei que não chegou à prática
A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e a Política Nacional de Educação Especial determinam que toda criança tem direito a um ensino que respeite suas particularidades. Porém, na prática, a inclusão muitas vezes se resume a um simples cumprimento de matrícula.
De acordo com um levantamento da Associação Brasileira de Psicopedagogia, mais de 60% das escolas brasileiras não possuem estrutura ou profissionais capacitados para lidar com alunos com TEA, TDAH, dislexia ou outras condições neurodivergentes.
“É comum ver crianças com diagnóstico de TDAH ou autismo passarem o ano inteiro apenas copiando atividades ou sendo isoladas em um canto da sala. Isso não é inclusão, é exclusão disfarçada”, alerta Ana Carla.
Os maiores desafios da inclusão escolar
Apesar dos avanços nos debates sobre diversidade e neurodivergência, ainda há uma série de barreiras que dificultam uma educação realmente inclusiva:
1. Falta de formação continuada para professores
A maioria dos cursos de pedagogia e licenciatura não prepara o professor para lidar com as especificidades neurodivergentes. Na prática, educadores recorrem a métodos tradicionais, muitas vezes incompatíveis com as necessidades desses alunos.
“Quando o professor entende que aquele comportamento ‘desafiador’ pode ser uma forma de comunicação, ele deixa de rotular a criança como ‘aluno-problema’ e passa a buscar soluções pedagógicas reais”, explica a psicopedagoga.
2. Ausência de apoio multiprofissional
Poucas escolas contam com psicopedagogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos na equipe, profissionais essenciais para elaborar estratégias personalizadas de aprendizagem.
3. Metodologias engessadas
O ensino tradicional, baseado apenas em cópias, provas e longas explicações expositivas, desconsidera os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem.
4. Falta de parceria com as famílias
Pais e responsáveis também precisam ser orientados e envolvidos, pois são parte ativa do processo de desenvolvimento.
Caminhos para uma inclusão verdadeira
Para que a inclusão escolar deixe de ser apenas uma promessa, é necessário transformar a forma como pensamos e praticamos educação. Entre as principais mudanças estão:
Formação continuada de professores em educação inclusiva - cursos e treinamentos que ensinem metodologias diferenciadas;
Adaptação do currículo com metodologias ativas e flexíveis, respeitando o ritmo de cada aluno;
Contratação de equipes multiprofissionais para acompanhamento individualizado;
Ambientes preparados e acessíveis, com materiais pedagógicos adaptados;
Fortalecimento da parceria escola-família, com reuniões periódicas e orientação aos pais.
“Incluir é ensinar de forma diferente, é olhar para cada criança e reconhecer que ela aprende de um jeito único. Quando isso acontece, todos os alunos ganham, não só os neurodivergentes”, reforça Ana Carla Neto.
Educação inclusiva é um direito, não um favor
A inclusão escolar de crianças neurodivergentes não deve ser vista como um gesto de boa vontade, mas como um direito garantido por lei.
“Precisamos entender que inclusão não é caridade. É justiça, é respeito e é compromisso com o futuro dessas crianças. Enquanto continuarmos tratando a diversidade como exceção, estaremos falhando como sociedade”, conclui Ana Carla Neto.