"Economia brasileira depende de combustíveis fósseis"
Constatação, porém, permite construir caminho da energia alternativa
Com sólida trajetória em políticas públicas e ampla experiência no terceiro setor, a economista Ana Toni construiu sua carreira em organizações como a Fundação Ford e o Greenpeace. Ex-secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática e atualmente como Diretora-Executiva da COP30, ela afirma em entrevista exclusiva ao Correio da Manhã, que a conferência realizada em Belém trouxe ganhos importantes, como a conscientização de que a economia brasileira é dependente de combustíveis fósseis e que todos — governo, empresas e sociedade — precisam agir. Para Ana Toni, sonhar com um futuro mais sustentável exige planejamento concreto para transformar esses sonhos em realidade, mantendo seu compromisso de colaborar para um mundo melhor.
A senhora tem uma longa trajetória na área ambiental e climática e, nas duas últimas conferências, já no governo Lula, integrou a liderança da equipe negociadora do Brasil na COP. Como a senhora lida com a expectativa — e a esperança — de contribuir para transformar o mundo?
Quando se está no terceiro setor, existe a expectativa de que fazer política pública ou mudar a posição de governo é mais fácil do que a realidade. Aprendi que a realidade dentro do governo é mais complexa do que, talvez, quando se está na sociedade civil se imagina que seja. Então, para mim, foi muito importante; até me arrependo um pouco de ter demorado tanto para aceitar um cargo no governo. Porque estar dentro do governo é um bom aprendizado, aprender o papel dos diversos servidores públicos, das diversas instituições, entender os meandros mais difíceis e os mais fáceis. Quando eu estava na sociedade civil, sempre concentrei meu trabalho em influenciar a política pública, quase como se os governos pudessem fazer muito mais, e pensei muito pouco na influência do setor privado, muito menos no parlamento e no poder do parlamento. Hoje, vejo a sociedade civil fazendo a mesma coisa que fiz e dá vontade de dizer: "Acorda, existem outras forças que podem contribuir para mudar e que podem ajudar o setor público".
Como a senhora se sentiu depois do encerramento da COP? Em algum momento teve frustração ou a senhora saiu da COP mais entusiasmada?
Tem momentos de altos e baixos, mas o tempo inteiro havia uma energia intensa, muita adrenalina positiva na equipe, todo mundo querendo dar o melhor de si. Saí genuinamente cansada física e mentalmente. Não só eu, mas a equipe como um todo deu absolutamente tudo o que tínhamos para dar. Conseguimos muita, muita coisa. Tinha momentos em que se queria muito mais, em termos de não conseguir convencer aquele país sobre determinada política, mas isso faz parte do jogo. Eu não tinha a expectativa de que iria conseguir tudo que queríamos.
A senhora mencionou à imprensa certa frustração pela não adoção do Mapa do Caminho pelos países. Essa frustração ainda permanece?
Existe sempre uma frustração, porque queremos mais. Queremos muito mais; sabemos o tamanho da crise climática e sabemos que precisamos avançar em uma velocidade muito maior do que a atual. Eu, como ativista climática, obviamente gostaria de ir muito mais longe do que conseguimos. Isso não significa que a frustração fosse com o processo ou com as pessoas; o mundo está como está, e precisamos fazer o melhor possível. A frustração não me paralisou em nenhum momento, se tornou mais um combustível renovável para lutar ainda mais.
A senhora citou em um vídeo nas redes sociais que entramos em uma nova década das Conferências do Clima. Em qual sentido a senhora observa essa nova década?
Vínhamos falando que a COP30 ia inaugurar uma nova década de COPS e, após a COP30, tenho certeza de que isso de fato aconteceu: uma era na qual a implementação se torna central, a aceleração da implementação se torna absolutamente central. O consenso — e os limites do consenso — se tornam concretos. Todo mundo percebeu isso, e a dinâmica da relação da COPS entre negociação e participação passa a ser outra. Esperamos que as pessoas tenham percebido que esta COP não aconteceu só ao longo de duas semanas. A presidência da COP30 trouxe a Conferência como um processo, trouxe o combate da mudança do clima como uma coisa diária.
Depois de acompanhar de perto as negociações diplomáticas e observar a postura dos países — para além da disputa midiática pela narrativa — qual é a sua avaliação agora?
Sempre trabalhei com negociação, então, não mudou muito minha visão estando na presidência da COP30. Obviamente, é uma posição diferente de fazer parte de um governo ou da sociedade civil, porque se enxerga o todo. Mas, quando o consenso é possível, e o quão poderoso é o consenso, isso é muito importante. Mas as pessoas têm uma visão que só pelo consenso surgem mudanças. E há mudanças para além do consenso. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre [TFFF, na sigla em inglês] é um exemplo concreto disso. Não é preciso que 195 países considerem o TFFF totalmente consensuado e importante para concordar. É importante perceber que existem outras estratégias complementares ao consenso.
Alguns ambientalistas e especialistas climáticos mostraram um certo descrédito da COP...
Não é só os acadêmicos não. O próprio presidente Lula repetiu isso diversas vezes: vamos de Convenção em Convenção e, se não começamos a ver mudanças concretas, as pessoas deixam de acreditar — não no processo, mas nos líderes, porque quem está indo às Convenções e fazendo os acordos são os próprios líderes. A preocupação do presidente Lula era exatamente essa: vamos lá, acordamos isso e aquilo, e onde está o resultado concreto? Eu acredito que, na mudança do clima, temos mostrado coisas concretas. No Acordo de Paris, caminhava-se para uma trajetória de quatro graus e meio, e agora a trajetória está ao redor de 2,5 graus. Então, teve impacto? Sim, teve impacto. Dez anos atrás ninguém falava de painel solar, e agora se fala de renováveis o tempo inteiro. Ninguém imaginava uma economia sem combustíveis fósseis; ontem tivemos um despacho no Brasil permitindo sonhar com isso, colocando no papel. Isso não quer dizer que conseguimos fazer o que precisa ser feito, que é estarmos alinhados com 1,5 grau. Entendo totalmente e compartilho da frustração, mas não é por isso que eu vou abandonar o processo.
Qual o ganho político da COP30?
O ganho político dessa COP é a conscientização de que nós somos — nossa economia é - dependente de combustíveis fósseis. O governo brasileiro, as empresas, têm uma dependência. Criamos uma economia baseada em combustível fóssil nos últimos 200, 300 anos, não é em 10 anos que a gente vai mudar a chave. Fazer esses cenários, como foi a decisão do governo brasileiro, sobre o que é uma economia menos dependente dos combustíveis fósseis, é importante para se planejar. É preciso começar a sonhar diferente agora. A COP trouxe essa possibilidade: não só de sonhar, mas, para que um sonho vire realidade, é necessário ter um plano. E o Mapa do Caminho é fazer esse plano para que o sonho se torne realidade.
A COP30 chegou ao fim, mas o trabalho da presidência continua. O que está no horizonte e quais entregas devem ser priorizadas até a COP31?
Estamos no meio do planejamento, tem coisas que prometemos e por isso vamos fazer. O Mapa do Caminho é um deles, o Mapa do Caminho dos Combustíveis Fósseis, o Mapa do Caminho sobre o Desmatamento e Florestas a gente também prometeu. Temos todo um trabalho na agenda de ação que a gente prometeu e certamente vamos . Tínhamos feito o Mapa do Caminho de US$ 1.3 trilhão de mobilização de recursos para os países em desenvolvimento e é um debate que precisamos continuar, mas estamos no começo desse planejamento, vamos conversar com nossos colegas turcos e australianos e fazer esse planejamento em conjunto e em breve anunciaremos as prioridades das estratégias da COP.
A senhora espera estar na próxima COP30? De que forma? Pelo governo ou pelo terceiro setor?
Espero que sim. Ainda estou na ressaca da COP30, vamos pensar na participação na COP31 quando estiver mais próximo, mas imagino que sim. Doi uma experiência riquíssima, mas vou pensar um pouco na vida com um pouco mais de calma.
