Discussão sobre violência contra a mulher ganha força
Casos crescentes acendem alerta para reforço na rede de proteção
Por Lanna Silveira
Uma série de casos brutais de violência contra a mulher ocorridos entre o fim de novembro e o início de dezembro acendeu a discussão sobre a necessidade de se reforçar a rede de proteção oferecida às mulheres contra o machismo. Entre os crimes que ganharam projeção midiática, estão: uma agressão cometida pelo namorado da vítima; uma tentativa de assassinato, praticada por um homem rejeitado pela vítima, que resultou na amputação das pernas da mulher; e três homicídios que ocorreram no local de trabalho das vítimas.
O Correio Sul Fluminense conversou com a advogada Lana Karolina Sóglia, especializada em Direito da Mulher, para entender como é o cenário do crime de ódio motivado pela discriminação de gênero no Brasil, além de debater quais são os principais desafios para diminuir os quadros de violência e como grandes instituições sociais, como o Estado e a Justiça, podem intervir com eficiência nesse quadro.
Em seus anos de atuação, Lana observa que a realidade dos crimes de ódio contra a mulher é diária e "avassaladora", com um fluxo contínuo de casos que chegam aos escritórios, delegacias e órgãos de proteção. Apesar de apontar que mulheres de todas as classes sociais, idades, raças e níveis de escolaridades estão sujeitas a sofrer com essa violência, ela ressalta que estatísticas nacionais demonstram que mulheres negras e pardas, ou que vivem em contextos de maior vulnerabilidade socioeconômicas, são desproporcionalmente afetadas.
A advogada observa que a maioria dos casos de violência partem de familiares ou parceiros íntimos da vítima, e que os cenários mais típicos envolvem maridos, namorados e ex-companheiros. "São homens que se sentem no direito de posse ou controle sobre a vida da mulher. O ciúme possessivo, a recusa em aceitar o fim do relacionamento e a crença na superioridade de gênero são os motores mais comuns", complementa.
Lana analisa, ainda, que casos que resultam na morte da vítima normalmente são precedidos por violência psicológica, agressão física, ameaça e descumprimento de eventuais Medidas Protetivas solicitadas pela mulher.
Impulso da violência
de gênero
Os números de crimes de ódio cometidos contra mulheres estão em ascensão a cada ano no Brasil. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicaram que, somente nos sete primeiros meses de 2024, os índices de feminicídio bateram recorde de crescimento em um período de nove anos, apresentando 1.492 casos. Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, registrados de janeiro a setembro deste ano, indicam que mais de mil mulheres já foram vítimas de homicídio motivado pelo ódio ao gênero.
Outros tipos de crimes, como o estupro, também registraram recordes em 2024: segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram mais de 87 mil casos ocorridos durante o ano, com 88% deles tendo sido cometidos contra mulheres. O primeiro semestre de 2025, por sua vez, registrou uma média de 187 estupros de mulheres por dia, conforme o Mapa Nacional da Violência de Gênero. Quanto aos casos de agressão física, foram registrados mais de 86 mil denúncias de violência pelo Ministério da Mulher nos primeiros sete meses de 2025.
Para Lana Karoline, a dificuldade de diminuir os índices de violência parte de alguns fatores: o fato do feminicídio não imputar penas altas aos criminosos e a cultura da desigualdade de gênero cultivada na sociedade brasileira. A especialista ainda observa que o avanço dos direitos das mulheres no campo legal, manifestado em textos como a Lei Maria da Penha (11.340/06) e a Lei do Feminicídio (13.104/15), agrava a brutalidade dos crimes, já que isso fere a sensação de dominação masculina sob a mulher.
A advogada também afirma que a mitigação desses crimes é dificultada pela subnotificação dos casos, já que muitas vítimas decidem não denunciar seus agressores por medo, dependência financeira ou por não acreditar na eficácia da justiça. Lana Karoline aponta, ainda, a existência de falhas na rede de proteção oferecida às mulheres que realizam denúncias, citando como exemplo a demora na concessão de Medidas Protetivas, falta de monitoramento contínuo do agressor, e ausência de acolhimento psicossocial e habitacional.
- Nossas leis [de proteção à mulher] são consideradas avançadas no plano formal. O desafio reside, contudo, na aplicação efetiva e uniforme dessas normas. As leis ainda não surtem os efeitos desejáveis dentro da sociedade. Embora o Poder Judiciário registre um volume altíssimo de processos, a sensação de impunidade ainda é gigante. Muitas vezes, a justiça falha em aplicar a devida perspectiva de gênero nos julgamentos, resultando em absolvições baseadas em estereótipos de gênero. [Ainda], existem muitas penas brandas ou regimes que não cumprem a função ressocializadora e protetiva, [além de] demora processual, que desmotiva a vítima e pode colocá-la em risco.
Prevenção
Para a advogada, o papel do Estado na prevenção da violência de gênero só será efetivo caso seu foco não se restrinja apenas à punição dos agressores. Lana lista como exemplos de atitudes possíveis o fortalecimento das DEAMs (Delegacias Especializadas) e da Patrulha Maria da Penha, garantindo recursos humanos e materiais; a educação de gênero e não violência nas escolas, tentando prevenir o problema desde a infância; ou mesmo a criação de grupos reflexivos para que agressores se responsabilizem por seus atos e se conscientizem sobre seu comportamento.
Em sua rotina de advogada, Lana afirma que busca, junto a outras profissionais, alcançar a proteção da mulher não apenas representando vítimas, mas questionando outras sentenças que demonstrem preconceito de gênero - pelo uso do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero (CNJ) - e buscando a reparação integral do dano. Ela afirma ser essencial que advogadas mulheres pressionem o poder público para a efetivação das políticas de proteção e promovam ações de conscientização, como palestras, estudos de caso e campanhas, para informar mulheres sobre seus direitos, formas de violência e canais de denúncia, capacitando ainda outras advogadas.
Para a advocacia em geral, Lana acredita que todos os profissionais precisam buscar ativamente o conhecimento dos impactos do machismo nas relações jurídicas e processuais, promovendo, ainda, a igualdade de tratamento e oportunidades para colegas de profissão. Além disso, ela afirma a importância de que nenhum advogado permita estratégias de defesa que tentem culpar a vítima, questionando seu comportamento ou sua moralidade, enfatizando que isso configura violência institucional.
Na edição de terça-feira, dia 08, confira a reportagem "Vereadoras de Volta Redonda se pronunciam contra onda recente de violência contra a mulher"