Novembro azul: os homens se cuidam menos
Levantamento mostra presença masculina menor nos atendimentos na atenção primária
Novembro Azul é um mês dedicado, mundialmente, à saúde masculina, principalmente quanto à prevenção e ao diagnóstico precoce do câncer de próstata. Segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (MS), em 2023, foram registrados mais de 17 mil óbitos em decorrência da doença, ou seja, 47 mortes por dia. Tais dados, porém, não parecem ainda sensibilizar os homens. Um fato preocupante ainda é a baixa procura masculina por serviços de saúde.
A Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) informou ao Correio da Manhã que, em 2024, de todas as consultas realizadas na Atenção Primária à Saúde na capital, os homens corresponderam a 38,7% do total de atendimentos, embora representem 47,6% da população no DF, conforme a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios Ampliada (PDAD-A).
Até outubro deste ano, ainda de acordo com a SES-DF, apenas 31% dos atendimentos corresponderam a demandas agendadas para o público masculino. Mesmo com números abaixo do ideal, eles ainda são um recorde. “Em média, nos últimos três anos, essa taxa era inferior a 18,5%”, destacou a pasta.
Chances de cura
A atenção primária é a porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS) e, quando é diagnosticado cedo, o câncer de próstata tem grandes chances de cura, como explicou Thiago Braga, diretor de Operações de Saúde da Postal Saúde.
“O cuidado começa no primeiro contato. Quanto mais cedo identificamos um sinal, maiores são as chances de um tratamento eficaz”, ressaltou ele.
Concordando com Braga, o Dr. Luiz Otávio Torres, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), apontou que, no Brasil, muitos casos da doença são diagnosticados somente em estágio avançado, quando o tratamento se torna apenas uma opção paliativa.
“O câncer de próstata é uma doença do envelhecimento masculino. Então, estar ciente do seu risco e diagnosticá-la de forma precoce é fundamental”, abordou Torres em uma publicação da instituição.
Preconceito
Uma pesquisa divulgada pela SBU em dezembro de 2023 mostra que apenas 32% dos homens acima de 40 anos se dizem muito preocupados com a própria saúde e que 46% procuram atendimento apenas quando apresentam algum sintoma. Entre aqueles que dependem exclusivamente do SUS, o índice chega a 58%.
Mesmo com baixa adesão ao cuidado regular, metade dos entrevistados relatou sentir medo ou ansiedade ao pensar na própria saúde. O levantamento foi realizado com homens acima de 40 anos de todas as regiões do país.
O assessor de Política de Prevenção e Controle do Câncer da SES-DF, Gustavo Ribas, afirmou, em publicação da pasta, que a resistência dos homens em buscar atendimento está ligada a um estereótipo de masculinidade que associa o cuidado à vulnerabilidade. Segundo ele, essa percepção ainda limita a procura por serviços básicos de saúde e representa um obstáculo que precisa ser superado.
“É importante mudar essa cultura e ter consciência de que a partir de um diagnóstico precoce é possível evitar estágios avançados e promover a cura de muitas doenças", pontuou Ribas.
Cultura
Analisando essa realidade mais a fundo, sob a perspectiva da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a psicóloga clínica e professora, Mara Braile, observou que, para entender a resistência deles aos cuidados, é preciso antes compreender a complexa teia sociocultural ao redor do conceito de masculinidade.
“Historicamente, o homem ocidental é socializado sob o escudo da ‘invulnerabilidade’. Desde a infância, a construção da identidade masculina é muitas vezes pautada na negação da fragilidade. Ir ao médico e admitir dor ou buscar ajuda terapêutica é, no inconsciente coletivo masculino, um movimento que contradiz o imperativo de força e autossuficiência”, reiterou Braile.
Ainda segundo ela, na abordagem psicológica da TCC, esse fenômeno é chamado de "Ilusão de Invulnerabilidade", que é uma distorção cognitiva onde o indivíduo subestima sistematicamente sua suscetibilidade a doenças e ignora os sinais sutis que o corpo dá.
“Diferente das mulheres, que, culturalmente, são educadas para a prevenção e o autocuidado, muitos homens desenvolvem o que chamamos de Alexitimia Normativa: uma dificuldade aprendida de identificar e expressar emoções e sensações físicas”, pontuou a psicóloga.
O resultado, segundo Braile, é o comportamento de esquiva, em que o consultório médico é evitado não pela falta de tempo, que é uma desculpa comum, mas por representar um “palco de vulnerabilidade”.
“O medo do diagnóstico supera a lógica da prevenção”, apontou ela. “Infelizmente, isso faz com que o homem chegue ao sistema de saúde tardiamente, muitas vezes apenas quando a dor se torna insuportável ou a patologia já está em estágio avançado, transformando casos tratáveis em emergências complexas, como câncer de próstata”, concluiu.
No SUS
O DF conta com 182 Unidades Básicas de Saúde (UBS), que também oferecem testes rápidos para infecções sexualmente transmissíveis (IST), como sífilis, hepatites B e C e HIV, além de aferição de pressão arterial realizada no acolhimento.
À reportagem, a SES recomendou que “mais importante do que a realização isolada de exames anuais, é fundamental manter consultas periódicas com a equipe de Saúde da Família” nas UBSs. Este acompanhamento regular permite avaliar a necessidade de exames específicos conforme o histórico e as condições de saúde de cada paciente.
Além disso, a pasta orienta que homens de todas as idades realizem consultas de rotina com as equipes da atenção primária, responsáveis por solicitar exames como hemograma, glicemia, lipidemia, função renal e hepática, além de análise de urina.
Atualmente, a SES está com a campanha do Novembro Azul implementando ações de conscientização em diversas unidades, destacando os temas como saúde sexual e reprodutiva, HIV/ISTs e doenças crônicas mais prevalentes em homens, como o câncer de próstata.
Saúde privada
A Postal Saúde, empresa especializada em planos de saúde, registrou um aumento de quase 10% na procura masculina por atendimentos. Em 2023, durante o Novembro Azul, foram contabilizados 10.259 atendimentos, enquanto no mesmo período do ano passado os números subiram para 11.209.
Entre os quase 98 mil beneficiários homens da Postal, 28 mil têm mais de 59 anos, faixa considerada de maior risco. Em 2024, a operadora realizou mais de 130 mil atendimentos voltados à saúde do homem, acima dos cerca de 128 mil de 2023. Os números são um sinal de que homens estão se cuidando mais, mas ainda estão abaixo do ideal.
Para mudar este cenário de pequenas melhorias na concepção masculina de autocuidado, a psicóloga Mara Braile sugere mudar a perspectiva do pensamento comum.
“Cuidar de si não é apenas um ato de amor próprio; é o maior ato de proteção que um homem pode oferecer àqueles que o amam. Ser forte, hoje, é ter a inteligência de se manter saudável”, refletiu ela.