Do barbante à internet. 37 anos de história
Um relato pessoal de quem cobriu a Constituinte
A cobertura da Assembleia Nacional Constituinte, entre 1987 e 1988, marca algumas das minhas primeiras – e maiores – emoções no jornalismo político. Marca também uma das maiores frustrações.
No dia da última sessão e da promulgação da Constituição pelo presidente da assembleia, deputado Ulysses Guimarães, Rodrigo Mesquita, um dos membros da família Mesquita, proprietária do jornal em que eu trabalhava, o Estado de São Paulo, vai assistir à sessão. E pede emprestada a minha credencial – ele queria entrar no plenário e dar uma olhada.
Alguns minutos depois, porém, ele volta dizendo ter perdido a credencial. Nunca irei saber se perdeu ou se quis guardá-la como recordação. Mas o fato é que isso me impediu de trabalhar mais profundamente na cobertura daquele último dia. Enorme frustração. Por essa razão, não apareço em famosa foto que Ulysses tirou com os repórteres que cobriram a Constituinte no final da sessão.
Preso no comitê de imprensa, porém, me coube, então, fazer a matéria do famoso discurso final de Ulysses. Famoso e emocionante. Aquele em que Ulysses declarou a frase definitiva: “Temos ódio e nojo da ditadura”.
A cobertura da Constituinte marcou minha estreia como repórter de política, função que exerço até hoje. No formato original do processo, não haveria o segundo turno. Os trabalhos se dariam nas comissões temáticas e depois finalizados por uma comissão de sistematização. Ao perceber que a tendência era que a comissão tornasse o país parlamentarista e reduzisse seu mandato dos seis anos como presidente para somente quatro, o então presidente José Sarney interveio. E começou a seduzir parlamentares para evitar esse desfecho. É aí que surge o famigerado Centrão, à época comandado pelo deputado Roberto Cardoso Alves. Sarney distribuiu à época emissoras de rádio aos parlamentares.
Conseguiu, assim, estabelecer o segundo turno, no qual cada artigo da Constituição precisaria ser submetido e ratificado pelo plenário. Um trabalho hercúleo. A Constituição original tinha 250 artigos. Ulysses, então, estabeleceu um processo para acelerar as votações. Ele lia rapidamente cada artigo. Com a frase que se tornou clássica: “Os que foram contrários levantem a mão, os que forem favoráveis permaneçam como estão”. Se ninguém levantasse a mão, passava imediatamente ao artigo seguinte.
Para ele, estava resolvido o problema. Para quem precisava informar à sociedade, não. O artigo aprovado poderia ser, por exemplo, aquele que criava o Sistema Único de Saúde (SUS). Enfim, era a Constituição brasileira. Tudo era importante.
A Agência Estado era, então, o exemplo de jornalismo em tempo real. Ainda não on-line porque computadores eram ainda uma novidade incipiente. Quase ninguém tinha computador pessoal e não havia ainda internet. A situação obrigou a Agência Estado a ampliar sua cobertura de política para informar a aprovação a cada artigo. Foi o que levou à minha troca, então, de repórter de Nacional para Política.
Em tempos sem computador, essa era a rotina. Dois repórteres ficavam nas galerias cumprindo as sessões enquanto outros dois escreviam. Quando os que estavam escrevendo terminavam, subiam para as galerias, e os que ali estavam desciam para escrever.
A ferramenta especial da Agência Estado ficava ali no comitê. Era um contínuo bem magrinho e de 1,50 com o apelido de “Baixinho”. Ele era o único que conseguia passar pela janela basculante que separa o comitê da marquise do prédio do Congresso. Quando a matéria ficava pronta, Baixinho chamava um motoqueiro ou motorista e ia com a lauda de papel para a marquise. O motorista parava, então, na ladeira que liga o gramado do Congresso à Chapelaria, a entrada principal. Baixinho amarrava a matéria num barbante e a descia pela marquise. O motorista desamarrava e levava para a redação.
O resto, são 37 anos de história…