De volta ao céu de Brasília: o voo que consagrou Glauco Pinto tricampeão
Com voos precisos, disputas internacionais e críticas às regras de espaço aéreo, etapa marca o retorno do Campeonato Brasileiro à capital
Céu azul, térmicas generosas, rampas históricas e a adrenalina dos melhores pilotos do Brasil (e do mundo) em uma das competições mais emblemáticas do calendário nacional. Assim foi a 2ª etapa do Campeonato Brasileiro de Asa Delta 2025, realizada entre os dias 23 e 30 de agosto, na tradicional Rampa Dr. José Menck, na Serra do Paranã, a cerca de 90 km da Capital Federal. E, mais uma vez, um nome sobressaiu entre tantos talentos: Glauco Pinto, o piloto de Brasília, que consagrou-se tricampeão brasileiro da modalidade (2018, 2024 e 2025), em uma performance de alto nível técnico e emocional.
Com um histórico de constância, ousadia e domínio das condições locais, Glauco cravou seu nome no topo do pódio, confirmando o favoritismo na categoria elite do voo livre nacional.
“Confirmei o favoritismo em casa, onde aprendi a voar e conheço bastante a região”, declarou o piloto, que apesar de não vencer a etapa geral – ficando atrás do australiano Jonny Durand – garantiu o título nacional com folga.
Ao longo de sete dias de prova, os desafios se alternaram com as belezas naturais e as típicas condições de voo do cerrado brasiliense.
“Foram sete provas, com condições climáticas muito favoráveis. Típica semana clássica de Brasília, com dias azuis, outros com poucas nuvens e dois dias com muita formação, o que trouxe sombreamento no final do dia”, contou Glauco.
As provas (ou “tasks”) variaram entre 80 e 100 km, limitadas pelas restrições do espaço aéreo, fator que exigiu habilidade estratégica dos competidores. Ainda assim, Glauco brilhou: venceu três das sete provas, garantiu um 2º e um 3º lugar, e mesmo com um pouso técnico precoce em outra, mostrou superioridade.
Entre agradecimentos e emoção, Glauco fez questão de dedicar o título a quem o inspira de forma mais profunda. “Agradeço à Icaro2000 (e ao Manfred Ruhmer, pela atenção de sempre na fábrica), à família Rotor – pelo melhor cinto do mundo – e ao CSCVL [Clube São Conrado de Voo Livre] pelo apoio nas competições. Dedico esse título ao meu filho Rodrigo, que fez aniversário um dia depois da final. Esse é pra você, Campeão!”, ele celebrou.
Regras
Antes de subir aos céus, os pilotos precisam seguir regras claras e coordenadas previamente definidas. Segundo informações da organização da Confederação Brasileira de Voo Livre (CBVL), comandada por Douglas Nascimento e Ricardo Ortega, cada prova é traçada com antecedência por meio de um arquivo digital carregado nos dispositivos GPS dos atletas. Esse arquivo delimita a área autorizada para o voo, os pontos obrigatórios de passagem (conhecidos como “waypoints”) e o local de pouso.
A altitude máxima permitida nesta etapa foi de 3.300 metros. A média das provas variou entre 95km e 100 km de distância, e o piloto que completasse o percurso no menor tempo possível, respeitando todos os parâmetros, venceria a tarefa do dia.
Brasília no centro do voo livre
O retorno do campeonato à Brasília, após um hiato desde 2018, reforça a importância da região para o esporte. O evento reuniu atletas de países como Austrália, Colômbia, Argentina e Paraguai, reafirmando o caráter internacional da competição, organizada pela CBVL com apoio da Associação de Voo Livre do DF e prefeituras locais.
Além das disputas aéreas, a logística da etapa também foi cuidadosamente planejada. Os pousos aconteceram em um ponto estratégico: a área de reserva natural da Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF), que ofereceu segurança, amplo espaço e integração com o meio ambiente. Já a cerimônia de premiação teve um cenário à altura da conquista, realizada no Mormaii da Terceira Ponte, com vista privilegiada para o Lago Paranoá e clima de celebração entre pilotos, equipes e apoiadores.
“Esse ano nós tivemos duas etapas do Campeonato Brasileiro sendo uma em Andradas que é divisa de Minas Gerais com São Paulo e a outra aqui em Brasília”, explicou Douglas Nascimento.
O desafio do espaço aéreo
Ao Correio da Manhã, a principal dificuldade relatada pelos pilotos foi a limitação do espaço aéreo sobre Brasília – ponto que ganhou destaque na fala do australiano Jonny Durand, vencedor da etapa geral na categoria Elite.
“Um dos nossos maiores problemas este ano é o espaço aéreo. Muitos pilotos tiveram dificuldades tentando se manter abaixo do espaço aéreo e muitos tiveram pontuações muito baixas por causa disso. Na sexta-feira (29), apenas três pilotos atingiram a meta. Alguns ventos fortes também. Houve desafios, mas foram seis dias ótimos e intensos”, disse Durand.
A crítica à limitação do espaço aéreo também foi reforçada por um dos nomes mais respeitados do voo livre brasileiro: o veterano Álvaro Sandoli, o “Nenê Rotor”, que retornou às competições após sete anos afastado – e viu o título escapar justamente por conta das punições relacionadas à zona de segurança do espaço aéreo.
“Brasília é demais, mas infelizmente sofremos com restrição de espaço aéreo. A gente fica se sentindo voando dentro de uma gaiola. Mas faz parte, todo lugar está sendo assim hoje em dia. Em particular, eu acho que a gente tem que se adequar à regra, mas também precisa ser o mais maleável possível, porque é uma regra extremamente restritiva”, iniciou Nenê.
O piloto criticou o sistema de penalização, que reduz a pontuação mesmo quando o piloto não ultrapassa efetivamente o limite, mas apenas se aproxima da altitude máxima permitida.
“Quando você chega num percentual antes do limite do espaço aéreo, você já começa a ser punido, só que você não invadiu, entendeu? Na minha opinião, tinha que ser assim: invadiu o espaço aéreo, zera a prova. Mas se o piloto está abaixo e não invadiu, não tem por que tirar porcentagem do voo dele. Eu mesmo fui altamente prejudicado aqui, com três dias de punição – e não invadi nenhum deles, só cheguei perto. Isso tirou o meu título de campeão brasileiro. Se você somar a minha pontuação sem essa regra que me puniu, eu estaria em primeiro, tanto na etapa quanto no ano. Eu seria o campeão novamente. Mas faz parte, a gente tem que absorver e seguir. A vida segue, né?”, desabafou.
Mesmo com o gosto amargo da punição, Nenê terminou com um sorriso no rosto e um motivo especial para comemorar. “Mesmo assim, eu estou feliz por estar voando junto com meus filhos e com todo mundo, nesse lugar maravilhoso de voo”, finalizou à reportagem.
Três categorias, um só céu
A competição foi dividida em três categorias:
Elite: Asa delta de alta performance, capaz de atingir altas velocidades – onde voam os grandes nomes do esporte.
Rígida FAI5: Equipamentos com flaps, que atingem velocidade superior às outras categorias.
Sport: Asas mais seguras, com kingpost (ferro na parte superior), ideais para transição à Elite.
Campeões brasileiros 2025
Elite:
1 - Glauco Pinto
2 - Marcelo Morganti Ferro
3 - Álvaro Sandoli “Nenê Rotor”
Rígida FAI5:
1 - Gustavo Corsini
2 - Rafael Francisco R. dos Santos
3 - George Antonio Hennel
Sport:
1 - Marcelo Alexandre Menin
2 - Guilherme Werneck Richa
3 - Luiz Gustavo de Andrade Maximo
História, tradição e futuro
A Rampa Dr. José Menck segue como palco de grandes histórias do voo livre nacional. A área, cedida pela família Menck – em especial após o falecimento do Dr. José Menck em 2015 –, hoje é mantida por seus sucessores e monitorada pelo Instituto José Menck, que há cinco anos atua na preservação ambiental local.
