Por: Mayariane Castro

Espetáculo no DF aborda ciclos da vida através da dança

Sem falas, narrativa do espetáculo é construída exclusivamente pela movimentação, trilha sonora e luz | Foto: Felipe Eduardo

Em meio a folhas secas, galhos retorcidos e campos com imensidão laranja a cortar o horizonte, há um ponto de cor que chama atenção. O florescer dos famosos e tradicionais ipês de Brasília durante a seca nos remete a um grande contraste de adversidades. Em meio a seca, sem chuvas e com umidade baixa, é ali que nasce o mais lindo florescer do cerrado. E é assim que também floresce a nova obra da Flyer Cia de Dança, que traz consigo o ensinamento de que há beleza em cair, em secar, e em perder, só assim se pode voltar a florescer.

Após dois anos de espera, a Flyer Cia de Dança estreia o espetáculo “Quando Não Fui Primavera”, que aborda os ciclos da vida por meio da dança contemporânea. A montagem trata de temas como perda, silêncio interior e renascimento, utilizando o conceito das estações do ano como metáfora para os processos emocionais e existenciais enfrentados ao longo da vida.

Concebido desde a criação da companhia, o espetáculo já havia sido idealizado anteriormente, mas só agora ganha espaço na programação da Flyer. Segundo o diretor e coreógrafo Leandro Mota, a proposta já existia desde os primeiros planos do grupo, e sua concretização marca um momento significativo para a companhia.

“O que eu quero passar é sobre os ciclos, os ciclos se iniciam têm meio e fim e eles começam de novo, tudo volta a florir de novo. A ideia de retratar essa aridez é pra falar que aquela árvore vai voltar a florir, que ela vai passar por todos aqueles ciclos aquelas estações e no final, ela vai voltar a florir”,’ disse Leandro Mota ao Correio da Manhã.

A montagem apresenta uma concepção coreográfica que busca representar os ciclos naturais e emocionais. A aridez de determinadas fases da existência, simbolizadas pelo outono e pelo inverno, é contraposta pela promessa da primavera e do florescimento, que retorna após os períodos de escassez. A narrativa cênica remete à repetição desses ciclos, enfatizando que todas as fases têm começo, meio e fim, e se renovam com o tempo.

Processo criativo

O espetáculo é interpretado por um elenco que se apresenta e traz em cena vários corpos. Este espetáculo trouxe desafios específicos à direção e ao grupo durante o processo criativo, com o diretor o criando em cima de uma cadeira de rodas. De acordo com Mota, a principal dificuldade enfrentada foi comunicar ao elenco a proposta estética emocional da obra, traduzindo em movimento a concepção coreográfica inicial. A adaptação exigiu um trabalho de experimentação e diálogo constante, o que também fortaleceu o processo coletivo de criação.

Para o coreógrafo, o uso das cadeiras de rodas na dança não é apenas uma questão de acessibilidade, mas um componente estrutural da linguagem artística desenvolvida por si em uma nova fase de adaptação com o novo. A proposta corporal exigiu da equipe novas abordagens e soluções criativas, tornando o espetáculo também um exercício de pesquisa em linguagem e movimento do conjunto.

Leandro destaca que o espetáculo pretende criar um espaço de identificação com o público, ao abordar experiências comuns como perdas, transições e renascimentos. A ideia é provocar no espectador uma reflexão sobre as próprias vivências emocionais, reconhecendo nas cenas traços de seus próprios processos internos.

A encenação não busca respostas definitivas, mas sim evocar memórias e sensações. O ritmo das cenas, marcado por pausas e silêncios, reforça a ideia de tempo como elemento central, tanto o tempo da natureza quanto o tempo subjetivo da transformação interna.

O espetáculo

“Quando Não Fui Primavera” utiliza uma linguagem contemporânea que mistura movimentos poéticos e gestuais, criando imagens que remetem ao desfolhar de uma árvore, ao vento que anuncia mudanças e à flor que ressurge após o frio. Não há falas no espetáculo. A narrativa é construída exclusivamente pela movimentação dos corpos, pela trilha sonora e pela luz.

O diretor afirma que o espetáculo convida o público a observar a si mesmo por meio das imagens e movimentos apresentados em cena. A metáfora das estações do ano serve como guia para pensar as transições vividas ao longo da vida: perdas, recomeços, momentos de introspecção e de abertura.

A estreia de “Quando Não Fui Primavera” representa também uma etapa importante na trajetória da Flyer Cia de Dança. A companhia, que trabalha com dança contemporânea e propõe uma estética própria baseada na diversidade de corpos, reforça com essa obra sua proposta de linguagem coreográfica acessível e experimental.

O processo de criação, segundo Leandro Mota, foi atravessado por descobertas sobre o corpo e sua expressão na cadeira de rodas, bem como pela necessidade de rediscutir o tempo, o espaço e a narrativa no espetáculo de dança. A comunicação entre direção e elenco foi central para dar forma ao espetáculo, permitindo que a ideia inicial se transformasse com a participação ativa dos intérpretes.

Ao refletir sobre os ciclos da natureza como espelho das fases da vida, o espetáculo se propõe a lembrar que mesmo nos períodos mais áridos há a possibilidade de renovação. A metáfora da árvore seca que volta a florescer após a estação fria sintetiza a proposta estética e emocional da montagem.

Estreia

Com estreia marcada para este final de semana, “Quando Não Fui Primavera” será apresentado em espaço acessível ao público, e faz parte da programação regular da companhia. Serão duas apresentações, uma às 20h neste sábado (20) e outra às 18h neste domingo (21), no Centro Cultural Sesi, em Taguatinga, no Distrito Federal. Os ingressos custam a partir de R$ 20 a meia entrada.

O espetáculo se insere em um contexto mais amplo de discussão sobre acessibilidade na arte e a valorização da diversidade corporal na produção cultural. A Flyer Cia de Dança tem se consolidado como um grupo que aposta na experimentação coreográfica e na construção coletiva como bases de seu trabalho artístico.

“Quando Não Fui Primavera” não oferece respostas imediatas nem soluções para os dilemas apresentados. Em vez disso, propõe ao espectador um olhar atento para os próprios ciclos, para os tempos de aridez e para os possíveis recomeços. Ao fim da apresentação, o convite é para que se reconheça que até mesmo o silêncio e a queda fazem parte do processo de florescimento.

O espetáculo será apresentado em temporada limitada, com sessões abertas ao público e acessibilidade garantida. A Flyer Cia de Dança mantém em suas produções o compromisso com a inclusão e com a experimentação artística como forma de ampliar o acesso à dança contemporânea.

A proposta da companhia é seguir desenvolvendo projetos que unam arte, acessibilidade e linguagem cênica, consolidando-se como uma referência na produção de dança no Distrito Federal. Após a estreia de “Quando Não Fui Primavera”, estão previstas apresentações em outros espaços culturais e participação em festivais da cena local.

O espetáculo representa, para a Flyer, mais do que a estreia de uma nova montagem, trata-se da concretização de um projeto planejado desde o início da companhia, que agora ganha forma em um contexto de amadurecimento artístico e técnico. A companhia segue comprometida em produzir arte a partir da escuta, da diversidade e da potência dos corpos que dançam em qualquer estação.

Serviço

“Quando Não Fui Primavera”
Sábado (20) às 20h e domingo (21) às 18h
Centro Cultural Sesi (Taguatinga)
Ingressos a partir de R$ 20 (meia), disponíveis no site “Ticket Ideal”