Por: Isabel Dourado

Teste nacional de DNA-HPV revoluciona rastreamento do câncer do colo do útero no Brasil

Teste DNA-HPV acelera identificação de casos de tumor no colo do útero com maior precisão | Foto: Divulgação/ IBMP

A cada três anos, cresce a estimativa de casos de câncer do colo do útero no Brasil. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), são 15 casos a cada 100 mil mulheres. Para enfrentar esse cenário, o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) — fruto de uma parceria entre o governo do estado e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro — desenvolveu um teste de biologia molecular moderno e 100% nacional: o DNA-HPV.

O Plano Nacional para o Enfrentamento do Câncer do Colo do Útero é uma estratégia do Ministério da Saúde que se baseia em três pilares principais: a vacinação contra o HPV, o rastreamento organizado com o uso do teste molecular para mulheres que têm entre 25 e 64 anos e o fortalecimento do tratamento.

Capaz de identificar 14 genótipos do papilomavírus humano (HPV), o exame, oferecido inicialmente em 12 estados brasileiros, permite detectar o vírus antes do aparecimento de lesões ou do desenvolvimento do câncer. A tecnologia representa um avanço no rastreamento precoce da doença. Com 16 anos de atuação, o IBMP é uma instituição de biotecnologia sem fins lucrativos, dedicada à produção de soluções inovadoras que promovam a autonomia científica e tecnológica no país.

Fabrício Marchini, Diretor de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do IBMP, explica que o teste foi desenvolvido em parceria com o programa da Secretaria de Saúde do estado de Pernambuco, intitulado “Útero é Vida”. O estado lidera o projeto-piloto, que tem o propósito de fazer o rastreamento de 370 mil mulheres. Em colaboração com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o INCA, o programa tem o objetivo de reorganizar a rede de atenção à saúde, além de ampliar a disponibilização do teste de HPV no Sistema Único de Saúde (SUS).

“Nós começamos a participar do programa em 2021. Fomos convidados com a missão de desenvolver esse teste de detecção do HPV. O desenvolvimento aconteceu ao longo dessa iniciativa e, antes do final de 2023, conseguimos o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária [Anvisa]. Após esse registro, a Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias] fez a avaliação e incorporou o produto ao SUS. Um dos requisitos para essa incorporação era que o teste passasse por uma validação clínica internacional”, explica Marchini.

Em julho deste ano o IBMP obteve os resultados positivos além da certificação da validação clínica internacional do teste pela Conitec. “Esse é o primeiro produto desenvolvido e fabricado na América Latina. É o reconhecimento de um esforço coletivo, que mostra que temos um teste de qualidade comparável aos melhores testes de rastreamento de HPV do mundo”. Segundo o diretor do Instituto, a tecnologia vai permitir que a rastreabilidade seja feita com mais precisão.

Flávia Miranda Corrêa, consultora médica da Fundação do Câncer, ressalta que esse método de rastreamento já está sendo adotado em vários países, mas é uma novidade no Brasil. “Já existem evidências científicas robustas indicando que esses testes são mais sensíveis e podem, inclusive, detectar lesões precursoras do câncer com até dez anos de antecedência. São testes automatizados, ou seja, não dependem da interpretação humana — como o papanicolau, que precisa do patologista”, explica.

Os dois tipos mais frequentes de tumor maligno do colo do útero são os carcinomas epidermoides, que representam cerca de 80% dos casos, e os adenocarcinomas, que se originam nas células glandulares do interior do colo do útero e correspondem a uma parcela menor dos casos (entre 10% e 20%). Especialistas explicam que é uma doença prevenível e pode ser curada quando diagnosticada em estágio inicial. A doença costuma ser mais frequente na faixa dos 30 aos 39 anos, tornando-se ainda mais comum entre os 50 e 60 anos.

Modelo de rastreamento organizado

A consultora da Fundação do Câncer destaca que a nova tecnologia permitirá a implantação do rastreamento organizado do câncer do colo do útero. Segundo ela, atualmente, o Brasil adota o “modelo oportunista” no qual a mulher faz o exame apenas quando procura a unidade de saúde por iniciativa própria.

“É fundamental migrarmos para um modelo de rastreamento organizado. Nesse modelo, as mulheres que fazem parte da população-alvo serão ativamente convocadas para realizar os exames com uma periodicidade bem estabelecida. Quando o exame de DNA dá negativo, a mulher tem uma garantia de que, entre 5 e 10 anos, não desenvolverá uma lesão precursora ao câncer. Por isso, o intervalo entre os testes pode ser de 5 em 5 anos”, detalhou Flávia Corrêa.

Fabrício Marchini reforça que o novo teste contribuirá para evitar o desenvolvimento de novos casos de câncer do colo do útero. O objetivo do Ministério da Saúde é que, até o final de 2026, todos os estados já tenham essa tecnologia implementada, que substituirá gradualmente o exame do papanicolau. A estimativa é que em até cinco anos o rastreio beneficiará 7 milhões de mulheres de 25 a 64 anos.

“Esse teste de DNA do HPV é feito a cada 5 anos. Então quando a mulher é rastreada e uma lesão é identificada, ela segue uma linha de cuidado que pode levar ao tratamento. Com isso, a chance de desenvolver um câncer é drasticamente reduzida. Assim, conseguimos evitar cirurgias invasivas e, principalmente, a mortalidade entre mulheres, considerando que, atualmente, o câncer de colo do útero é o terceiro tipo mais incidente entre as mulheres no Brasil”, alertou Marchini.

Vacina ainda tem baixa adesão

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que até 2030, 90% das meninas de até 15 anos sejam vacinadas, 70% das mulheres façam o rastreamento, 90% dos pré-cânceres sejam tratados e 90% dos câncer invasivos estejam controlados. Com isso, será possível reduzir novos casos da doença em 42% até 2045.

Especialistas alertam que a maneira mais eficaz de prevenir os danos causados pelo vírus HPV é por meio da vacinação. No SUS, a vacina é oferecida gratuitamente pelo Programa Nacional de Iminunizações (PNI), para crianças e adolescentes entre 9 e 14 anos, pacientes oncológicos, vítimas de violência sexual com idades entre 9 e 45 anos, pessoas imunossuprimidas, como individuos portadores do vírus HIV/AIDS ou que tenham passado por transplante de órgãos.

A oncoginecologista do Hospital Sírio-Libanês, Rayane Cardoso, destaca que, embora a vacina seja disponibilizada gratuitamente na rede pública de saúde, a cobertura ainda é considerada baixa.

“A vacina contra o HPV pode prevenir o câncer tanto em pacientes do sexo masculino quanto feminino. A gente tem baixíssima cobertura todo ano, sobram vacinas. Precisamos reforçar a importância da vacinação, especialmente porque no Distrito Federal a cobertura vacinal não chega a 30%. Isso é muito assustador, considerando que essa é uma vacina que praticamente elimina o risco de câncer do colo do útero”, ela destacou.

Em abril de 2024, o Ministério da Saúde passou a adotar o esquema de dose única da vacina contra o HPV, substituindo o modelo anterior, que previa duas aplicações. A mudança foi uma estratégia para intensificar e ampliar a adesão à vacinação. O novo esquema segue recomendações da OMS e da OPAS. Na avaliação de Cardoso, ainda existem muitos mitos envolvendo a vacina, o que pode influenciar na decisão dos pais de vacinarem seus filhos.

“Tem aquele mito de que a vacina pode incentivar uma vida sexual precoce, além de outras fake news que ganharam força, principalmente depois da Covid-19. A baixa adesão está muito mais ligada a esses mitos, que surgiram tanto na época em que a vacina foi implementada quanto com o avanço dos movimentos antivacina. Isso é algo totalmente injustificável, ainda mais quando falamos de uma doença tão letal como o câncer de colo do útero”, reiterou a oncoginecologista.