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Após sete anos, Museu Nacional reabre ao público

Escadaria principal agora é iluminada por uma claraboia e traz o esqueleto de Cachalote | Foto: Fotos Pedro Sobreiro

Por Pedro Sobreiro

A cena do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, ardendo em chamas na noite de 2 de setembro de 2018 deixou uma ferida na história e na cultura brasileira. Estima-se que mais de 90% do acervo da instituição, que contava com mais de 20 milhões de itens, tenham se perdido com o fogo, que chegou a abalar a parte estrutural da antiga moradia da Família Real.

De 2018 para cá, o Museu Nacional vem passando por intensas obras do projeto de reconstrução, que visa trazer à ativa novamente o maior museu do Brasil. E um passo importante para essa retomada foi iniciado nesta semana.

Desde a última quarta-feira (2), o Museu Nacional reabriu as portas para o público com a exposição "Entre Gigantes - Uma Experiência no Museu Nacional". Essa programação especial gratuita é temporária, mas serve para trazer o público de volta ao museu para ver o que já foi feito até aqui, com a abertura de três setores do Paço de São Cristóvão.

O passeio é iniciado logo com acesso ao icônico meteorito Bendegó. Peça famosa do acervo original, o Bendegó permanece no mesmo lugar de antes do incêndio, onde foi encontrado sem avarias, fazendo dele um símbolo da força do Museu Nacional para se reerguer. Agora, porém, os visitantes poderão encostar nele sem levarem bronca dos guardas, como antigamente.

Junto ao meteorito, estão relatos de sua descoberta na Bahia e transporte para o Rio ainda nos tempos imperiais. Mais do que isso, já é possível observar uma característica social mais reflexiva que marcará o novo Museu Nacional após sua reinauguração total, com a exposição de obras do artista wapichana Gustavo Caboco, que retrata o meteorito em suas obras, além de trazer o ponto de vista indígena sobre ele.

Em um dos novos painéis, inclusive, eles trazem o desejo indígena de levar o meteorito de volta ao local onde ele foi encontrado.

"Para nós, pedras do céu não podem ser levadas para casa - são elas que levam fogo para casa. Quando uma pedra do céu cai na roça, nossas avós nos dizem para deixá-la onde está. Mas Dom Pedro fez justamente o contrário na Quinta da Boa Vista: levou uma pedra do céu para sua residência", diz a família wapichana.

Cachalote

A grande novidade do museu é o esqueleto do Cachalote, o maior cetáceo dentado do planeta. Localizado acima da escadaria principal. o esqueleto de cerca de 3 toneladas foi içado e está preso na claraboia, que foi desenvolvida para suportar esta peça fascinante.

Foram mais de dois meses e dez profissionais necessários para realizar a montagem completa dos ossos do animal, que encalhou na praia de Curimãs, no Ceará, em 1º de janeiro de 2014. Na época, com apoio da prefeitura local, o cadáver do animal foi enterrado nas areias da praia para que pudesse passar pelo processo natural de decomposição sem afetar a segurança dos banhistas. Em dezembro de 2020, o animal foi desenterrado, passou por limpeza e foi doado para o novo acervo do Museu Nacional, fazendo deste esqueleto uma das mais belas e complexas peças deste novo acervo.

E como não podia ser diferente, dada a cultura carioca dos apelidos, o Museu Nacional já abriu uma votação para decidir qual será o nome oficial do Cachalote, que pode ser acessada por meio de um QR Code acoplado à escadaria.

Linha do Tempo

Por fim, o passeio chega a uma sala na qual é montada uma linha do tempo do Museu Nacional, desde sua fundação, em 6 de junho de 1818, quando a sede ainda era no Campo de Santana, no Centro do Rio, passando pela mudança para o Paço de São Cristóvão, relembrando exposições icônicas da histórias e visitantes ilustres, como o físico Albert Einstein, a 'Mãe da Radiologia' Marie Curie e o revolucionário inventor brasileiro Alberto Santos Dumont, o pai da aviação.

Também há um espaço para relembrar a celebração dos 200 anos do museu, que aconteceu em junho de 2018, dois meses antes do incêndio que destruiria quase tudo. O acidente, por falar nisso, também ocupa um espaço importante. Por fim, as placas projetam como será o futuro do Museu Nacional, com a restauração completa da escadaria de mármore, a integração do anexo Alípio Miranda Ribeiro o palácio e aos jardins, inaugurando também um moderno auditório e áreas administrativas, e a inauguração de uma ala inédita chamada "Espaço Memória", que ficará no lugar onde o incêndio de 2018 teve início e mostrará ao público as vigas de aço que foram retorcidas pelo fogo. Mais do que isso, esse novo espaço permitirá que o público veja resquícios de diferentes técnicas de construção que foram utilizadas no palácio nesses mais de 200 anos de existência.

Essa ala final do passeio também traz estátuas representativas da Mitologia Grega, como Orfeu e Cibele. Essas peças passaram por restauração e permitiram que fossem construídas réplicas que agora integram o topo da fachada do museu.

Emoção à flor da pele

A mostra atual é bastante simples, mas carregada de emoção. O passeio completo pode ser feito em aproximadamente uma hora, bem diferente das visitas antigas, que tomavam o dia inteiro e ainda assim ficava a sensação de não ter visto tudo, mas é tudo parte do cronograma.

A ideia dessa exposição é trazer o público para perto do Museu Nacional novamente, permitindo experimentar um pouco do passado e ver que o trabalho vem sendo feito.

Fato é que apenas entrar no museu já é extremamente impactante. O contraste das paredes reformadas com as paredes queimadas, que estão propositalmente expostas, é surreal. Fica difícil de segurar as lágrimas ao pensar no tamanho da tragédia que a história brasileira viveu na noite daquele 2 de setembro.

"Se deparar com as paredes queimadas é muito forte. A ideia é termos um espaço memorial para o incêndio, que não será necessariamente neste saguão principal. Mas foi proposital da mostra deixar as paredes queimadas expostas para que as pessoas pudessem ter uma ideia do estrago que foi e da complexidade que é esse processo de restauração e reconstrução. Na verdade, a gente fala de restauração, mas são poucos os itens que estão sendo restaurados, a maioria está sendo reconstruída, tamanho o estrago. Houve risco do prédio cair, então é um processo minucioso para tê-lo assim hoje", disse a Educadora Museal, Karen Thompson.

Ela também explicou que a ideia da exposição é falar com esse lado afetivo das pessoas que viveram o Museu Nacional e estão órfãs da instituição há sete anos, enquanto a reabertura completa do museu, programada para 2028, não acontece.

"Na verdade, é uma exposição com a proposta de ser mais uma experiência, onde a gente mostra o Bendegó, que é um símbolo de resistência e resiliência após o incêndio, e a aquisição do Cachalote, que faz parte do novo acervo do museu. Também há uma sala dedicada à restauração e reconstrução do museu, contando a história do palácio ao longo desses mais de 200 anos, e as transformações sofridas desde o Brasil Império. A ideia é matar a saudade do público do museu e mostrar o porquê dessa demora no processo de recuperação. Quando a gente chega e vê com os próprios olhos, entende que é algo demorado, minucioso e com várias etapas. O público entende um pouco melhor o que está acontecendo no Museu Nacional, enquanto ele tenta recontar sua história", afirmou.

Novas descobertas

Tratado pelos funcionários como uma fênix, o Museu Nacional seguiu ensinando seus pesquisadores mesmo após o incêndio. Com a destruição pelas chamas, novos artefatos e detalhes arquitetônicos ocultos acabaram sendo descobertos nesse processo de reconstrução.

"A gente costuma dizer que o museu está se mostrando de uma outra maneira. Depois do trabalho do resgate das peças, começou um trabalho arqueológico. Foram descobertos novos artefatos e objetos de uso doméstico, do cotidiano, que permitiram aos profissionais entenderem um pouco mais de como foi o funcionamento do palácio ao longo dos anos", concluiu Karen.

Como visitar?

Quem quiser visitar o Museu Nacional deve reservar o ingresso por meio do site: https://www.sympla.com.br/evento/entre-gigantes-uma-experiencia-no-museu-nacional-ufrj/2973454.

A mostra Entre Gigantes: uma experiência no Museu Nacional/UFRJ vai até o dia 31 de agosto, com sessões de terça a domingo. Mas é bom correr, porque os dias estão sendo disputadíssimos.

Caso não consiga reservar o ingresso, existe uma fila provisória para eventuais desistências. Neste caso, basta ir ao Museu Nacional e esperar. Mas não é garantida a entrada. Nesses primeiros dias, principalmente turistas de outros países estão recorrendo a esta fila, só que o ideal é resgatar seu ingresso previamente pelo site.