Rio2C 2025 chega ao fim com sua edição mais musical

Na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, convenção de criatividade brilhou mais uma vez

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Ferrugem, Péricles e Belo fizeram um painel que praticamente lotou o GlobalStage, maior sala da evento

Por Pedro Sobreiro

O Rio2C, maior evento de criatividade da América Latina, sempre teve uma forte ligação com a música, seja pela já tradicional presença da Orquestra Sinfônica Petrobras em sua programação ou pelos painéis sobre os bastidores do mercado, é impossível pensar na convenção sem associá-la ao meio musical. No entanto, o que se viu na edição 2025 talvez seja o auge dessa parceria até o momento, já que os painéis desse gênero roubaram a cena.

Ao longo de seis dias, o Rio2C trouxe inúmeros artistas de diferentes gêneros musicais para falarem sobre a música e o impactos de suas carreiras de diferentes formas.

No segundo dia de festival, por exemplo, o painel "Alma de Samba e Pagode" reuniu no GlobalStage, o principal palco do evento, Péricles, Belo e Ferrugem, três gerações diferentes do pagode para falar sobre a transição deste gênero musical de algo marginalizado para um estilo musical difundido e adorado por todas as classes sociais.

Mais do que essa parte econômica, mais do que os negócios, o painel foi uma aula de sociologia incrível, na qual foram debatidos temas como legado e acolhimento.

Eles relembraram as origens do samba e o acolhimento das tias no Rio de Janeiro, e o próprio Ferrugem contou a história de como isso refletiu em sua carreira, quando, ainda em seu início na música, enviou um rascunho de seu segundo disco para o Péricles, com quem não tinha intimidade, e pediu conselhos. O 'Pericão' viu o trabalho do garoto e sugeriu diversas alterações. Ferrugem, surpreso por ter recebido as dicas do ídolo, seguiu passo a passo os conselhos e alterou o álbum para deixá-lo mais autoral.

"Hoje a gente vê que uma semente está sendo plantado. O futuro do samba está no profissionalismo, em um olhar mais profissional do artista, que tem que estar inserido naquilo que ele almeja dentro do trabalho", disse Péricles.

"É pensar friamente e entender que se a 'Classe A' brigava e torcia o nariz no passado, e hoje eles pagam R$ 300 mil para a gente tocar no quintal deles, acho que a luta desses gigantes [Péricles e Belo] valeu a pena", disse Ferrugem.

Eles também falaram sobre a importância da TV nesse processo de democratização.

"Recentemente, eu estive com os organizadores do 'Capital do Samba' e me senti realizado. Eu vi dois dias de um festival imenso, com grandes atrações, organização impecável e foi televisionado. Uma vez que um festival deste tamanho chega nas pessoas que estão do outro lado, isso cria um efeito borboleta. Começa aqui e vai chegar lá da melhor forma, porque está apresentando algo digno para aquela pessoa que está assistindo", ressaltou Péricles.

Coração aberto

O grande destaque do terceiro dia do festival foi o painel que reuniu Boni e Boninho para falarem sobre as origens e o futuro da TV brasileira. Porém, mesmo com esse debate espetacular, o painel 'Lulu Santos: O Rei do Pop' conseguiu roubar a cena ao trazer o cantor 'de coração aberto' para falar não apenas de sua gloriosa carreira, mas também de sua vida pessoal.

Diante de muitos fãs mais antigos, Lulu passou uma mensagem realmente importante para os jovens, que geralmente estão perdidos na carreira e não sabem o que esperar do futuro. De forma muito carinhosa, ele ressaltou a importância de acreditar no processo, mesmo que, às vezes, as portas se fechem.

Para ilustrar esse conceito, ele contou a história de quando trabalhou na 'Som Livre' e tentou insistentemente colocar uma de suas canções na trilha sonora de uma novela. Depois de muitas tentativas, ele conseguiu com que seu chefe acatasse seu pedido. Porém, em contrapartida, ele foi demitido da gravadora. E isso acabou sendo ótimo, porque fez com que ele focasse na carreira musical que o consagrou.

Lulu também falou sobre suas músicas e as metáforas que marcaram sua vida pessoal.

Divulgação - Lulu Santos falou 'de coração aberto' sobre a carreira, em um dos mais emocionantes painéis desta edição

"Essa metáfora do naufrágio é tão recorrente na minha música, e realmente há momentos em que você naufraga, e o outro é o seu bote salva-vidas. E, nesse momento, eu lancei esse S.O.S. para dizer que eu estou sozinho aqui e não estou gostando [...] Eu sou sensível para o bem e para o mal, sabe? Eu acho que tenho a pele mais sensível do que gostaria para agressão, por exemplo. Eu não sou bom para agressão ou conflito, mas minha sensibilidade me serve para ser sensível comigo mesmo e, quem sabe, isto resvalar no ouvinte, em quem estiver ao alcance daquela mensagem naquela hora", explicou Lulu Santos.

Ele também falou sobre o contexto da sociedade atual e como isso afeta as pessoas.

"Acho que a doença atual da humanidade é o medo, o medo do que possa acontecer, do ruim que possa dar. A gente está sempre na expectativa do desenrolar, e as circunstâncias, os fatos nos atropelam. Eu sinto que a grande doença é essa apreensão em relação ao futuro. Eu sempre recebo piadas em relação àquele trecho de 'Tempos Modernos', com gente me perguntando: "E aí, Lulu Santos? Quando é que começa esse 'novo começo de era, de gente fina, elegante e sincera'?". No que eu respondo: 'faça sua parte'. Porque essa é uma canção de redenção e esperança. Eu fiz essa canção para mim. Eu via a minha vida melhor no futuro, e eu estava certo!", disse.

Respeitar o processo

O primeiro dia do evento já havia trazido uma grande palestra da cantora Iza, que foi chamada ao Soundbeats, que é um palco um pouco mais intimista, onde falou sobre seu processo criativo.

Pedro Sobreiro - Iza contou sobre o processo criativo que ela teve de aceitar para conseguir expressar sua arte

"Meu processo criativo é muito louco. Eu me sinto muito criança, e eu tentei lutar contra isso, 'adultificar'. Mas não dá certo. Tentei colocar uma mesa na minha frente e fazer um 'home office', mas não era isso. O que eu sempre fiz quando criança foi me trancar no banheiro, colocar meu CDzinho e ficar dançando até desidratar. E eu lembro que sentia muita vergonha, só fazia quando meus pais saíam, porque eu me sentia meio errada, sabe? Aí, quando meus pais chegavam, eu estava esbaforida de tanto dançar. E isso foi necessário. Meu processo criativo segue assim até hoje. Eu vou pro meu banheiro, boto uma música e pego um desodorante, uma escova de dentes e começo a brincar, como se eu tivesse 12 anos. E é daí que começam a vir minhas ideias. O processo criativo é muito íntimo, talvez seja por isso que eu vou para o banheiro. Quantas vezes, quando a gente tá fazendo alguma coisa criativa e chega uma pessoa, a gente sente que tá pelado? Acho que todo mundo já sentiu isso. Mas acontece assim e eu precisei aceitar isso em mim para ficar mais funcional criando. É a 'língua dos anjos'. Quando eu tô compondo e ouvindo música no banheiro, aquilo acende uma chama em mim e sempre vem nos momentos mais esquisitos. Às vezes, vem às 3 da manhã. E fica aquele medo de pagar de maluca. Mas a 'língua dos anjos' é isso, vem a melodia primeiro, não vem as letras. E você tem que ter muita coragem, ser muito desprendido para 'ficar pelado' desse jeito ao mostrar uma melodia para os outros", contou Iza.

Ela também falou sobre os desafios de aceitar seus processos, mas ressaltou que isso é fundamental para quem busca a arte.

"E é isso, você tem pagar meio de maluca mesmo. E eu entendi que tudo é um processo, e esse é o meu. E agora eu me sinto confortável para fazer isso na frente de quem eu não conheço", concluiu.