Expedição resgata história de navio escravagista

Pesquisadores, arqueólogos e quilombolas atuaram no sítio arqueológico Bracuí 1, em Angra dos Reis-RJ

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Expedição estuda navio que afundou nas águas do mar de Angra dos Reis-RJ, na Costa Verde

Por Redação

Mais uma importante etapa das pesquisas sobre o naufrágio do navio escravagista Camargo foi concluída em Angra dos Reis. Durante 14 dias, arqueólogos, historiadores, pesquisadores e integrantes da comunidade quilombola de Santa Rita do Bracuí estiveram em campo no sítio arqueológico Bracuí 1, local onde se encontram os vestígios da embarcação, que naufragou em 1852 e é um dos últimos registros materiais do tráfico ilegal de africanos escravizados no Brasil.

A expedição integra um projeto internacional de arqueologia subaquática e de memória, e conta com o apoio da Prefeitura de Angra dos Reis, por meio da Secretaria de Cultura e Patrimônio. A atuação conjunta entre comunidade, pesquisadores e poder público tem permitido resgatar e dar visibilidade a uma história por muito tempo silenciada.

- Trata-se de um trabalho de resgate e valorização da memória afro-brasileira que orgulha nossa cidade. Angra dos Reis é parte viva dessa história, e o município tem o dever de apoiá-la, reconhecendo a importância do território quilombola de Santa Rita do Bracuí para o Brasil e para o mundo - destacou o secretário, Andrei Lara.

A próxima etapa da expedição será em novembro, com novas ações de mapeamento, identificação de vestígios e envolvimento direto da comunidade quilombola.

A pesquisa é coordenada por especialistas do Instituto AfrOrigens, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal de Sergipe (UFS), além de contar com parcerias internacionais como o Slave Wrecks Project, do Smithsonian Institution (EUA).

- A história do navio Camargo é um capítulo [do tráfico ilegal de africanos escravizados] que por muito tempo permaneceu silenciado. Durante décadas, pouco ou nada se sabia sobre essa embarcação que naufragou na baía de Angra dos Reis em 1852, e foi somente a partir da articulação entre universidades, comunidades locais e instituições parceiras que começamos a reconstruir essa narrativa esquecida - conta Martha Abreu, historiadora e professora da UFF.

Wagnetr Gusmão/PMAR - Navio naufragou em 1852 e é um dos últimos registros materiais do tráfico ilegal de africanos escravizados no Brasil

Quilombola de Santa Rita do Bracuí

Para ela, as memórias da comunidade quilombola de Santa Rita do Bracuí têm sido fundamentais nesse processo, pois dão vida aos documentos e vestígios arqueológicos, conectando o passado à experiência viva de seus descendentes.

- Estudar o Camargo é reconhecer que o tráfico de africanos escravizados não foi um detalhe da nossa história, mas parte estruturante da formação do Brasil. E é com esse compromisso de memória e justiça histórica que temos avançado em projetos colaborativos, como o AfrOrigens, com apoio de instituições nacionais e parcerias internacionais. Essa cooperação tem ampliado o alcance e a profundidade das pesquisas, fortalecendo o diálogo entre ciência, memória e comunidade - comentou Martha Abreu.

Luís Felipe Santos, arqueólogo, professor da UFBA e coordenador, ao lado do professor Gilson Rambelli, da pesquisa arqueológica no Sítio Arqueológico Bracuí 1, disse que Angra integra um território de relevância internacional.

- Essa pesquisa coloca, sobretudo, o Quilombo Santa Rita do Bracuí em evidência como um território reconhecido globalmente. Recebemos a visita do cônsul-geral dos Estados Unidos, de representantes do Smithsonian Institution, e isso mostra o quanto esse projeto tem nos permitido aproximar um tema tão sensível de pessoas ao redor do mundo que se identificam com essa história - pontuou Luís Felipe.

Resgate da memória

Já para o cineasta e documentarista Yuri Sanada, resgatar a história é garantir que tristes episódios como o do passado, não se repitam.

- Essa é uma história importante não só para o Brasil, mas para o mundo. Uma narrativa que coloca Angra dos Reis no mapa mundial da cultura e da história. Isso atrai turistas, pesquisadores, instituições, todos em busca de histórias como essa. Temos a obrigação de preservar essa memória, não apenas no fundo do mar, mas em todo o território que carrega esses vestígios do passado. Mergulhar nesse local, marcado por tanto sofrimento, é uma oportunidade de trazer essa história à tona. E o mais impactante é poder compartilhá-la com as pessoas. Falar sobre isso nos faz refletir sobre o quanto a humanidade foi, e ainda pode ser, cruel. Mas, acima de tudo, é uma forma de aprendermos para que episódios como esse nunca mais se repitam - disse.

No ano passado, um evento no Quilombo contou com a presença de renomados historiadores e arqueólogos, pesquisadores e mergulhadores que participam das expedições e estudos do navio Camargo. O secretário do Instituto Smithsonian, Mr. Lonnie Bunch que esteve no Brasil pela primeira vez fez questão de conhecer o local de perto e se encantou com a beleza e a cultura quilombola.

- Estou muito feliz de estar aqui hoje, eu sonhava com esse momento há 20 anos e hoje pude realizar. O naufrágio do Camargo não é apenas um achado arqueológico, mas um símbolo da resistência e da resiliência dos africanos escravizados. É uma oportunidade para recontarmos nossa história sob uma nova perspectiva, dando voz àqueles que foram silenciados - ressaltou à época, Mr. Lonnie Bunch.