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Usina nuclear é vítima de preconceito, diz presidente da Eletronuclear

Raul Lycurgo: "Precisamos ter fonte firme, como hidrelétricas, mas que não sintam a variação climática" | Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Alexa Salomão (Folhapress)

De posse de um estudo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Raul Leite, presidente da Eletronuclear, tem feito uma enfática defesa socioeconômica e ambiental pela conclusão da obra da usina nuclear de Angra 3, sob o argumento de que a relação entre custo e benefício é vantajosa para o Brasil.

De um lado, afirma, o cenário de transição energética exige redução de gases do efeito estufa - um problema das térmicas - e, de outro, o aumento do uso de energia solar e eólica, que oscilam demais, não sustentam sozinhas a segurança na base do sistema.

"Nossa base é formada por hidrelétrica com reservatório, mas você não pode contar com elas se o rio seca, e também temos térmicas, que dependem do combustível. Térmica a carvão é extremamente poluente. Térmicas a diesel são poluentes e caras. Térmicas a gás também", diz. "Fonte nuclear funciona sete dias por semana, 24 horas por dia, 365 dias por ano. Só para quando há manutenção planejada."

O executivo afirma ainda que Eletrobras não pode deixar a sociedade com a Eletronuclear sem cumprir com suas obrigações financeiras, inclusive em relação a essa obra.

Para quem tem medo de um Chernobyl no Brasil, ele defende que as pessoas estão mais expostas à radiação quando voam de avião ou tomam banho de sol na praia de Guarapari, no Espírito Santo, do que dentro de uma usina nuclear.

"As pessoas temem usina nuclear por preconceito, por causa de uma publicidade equivocada", afirma.

Qual a necessidade de o Brasil fazer uma obra como Angra 3, que é cara e eleva muito a conta de luz, neste momento em que se defende a redução? O que justificam gastos deste tamanho agora?

Raul Lycurgo - Angra 1 e 2, é R$ 355 [pelo MWh, megawwatt-hora]. O estudo do BNDES mostra que uma tarifa de Angra 3 pode ficar em R$ 653, que é extremamente competitiva para uma fonte firme, nuclear, de base, resiliente. Alguém pode dizer: mas será que o sistema precisa? Eu acho que a resposta está aí.

Passamos por uma das maiores secas que o Brasil já viu. O Rio Madeira quase secou e é só areia. Os reservatórios estão abaixo do que estavam no mesmo período do ano passado, que foi um ano extremamente generoso de chuvas.

Tem a questão da intermitência também. Podemos bater no peito, porque o país tem a matriz limpa. Quase 85% é de fonte renovável, mas eólica e a fotovoltaica oscilam. Vemos claramente a curva no ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico], quando a solar entra, ali por volta das 6h e pouco da manhã, sobe, atinge o pico ao meio-dia, depois começa a descer até escurecer. A eólica também oscila porque ventos oscilam.

Precisamos ter fonte firme, como hidrelétricas, mas que não sintam a variação climática. A nuclear tem sua contribuição nisso. Não estamos dizendo que precisa ser 75%, como é na França, nem 20% como é nos EUA, mas pode ser mais para dar o atributo de segurança ao sistema. A carga [demanda do consumo] está hoje em torno de 90 GW, e nós contribuímos apenas com 2 GW.

P. - O sr. poderia explicar o que é um atributo de segurança?

R. L. - É quando, de certa forma, você consegue planejar a produção. Quanto mais fonte intermitente você coloca no sistema, para não gerar instabilidade, também precisa aumentar fonte na base [do sistema, para dar previsibilidade].

Nossa base é formada por hidrelétrica com reservatório, mas você não pode contar com elas se o rio seca, e também temos térmicas, que dependem do combustível. Térmica a carvão é extremamente poluente. Térmicas a diesel são poluentes e caras. Térmicas a gás também. Fonte nuclear funciona sete dias por semana, 24 horas por dia, 365 dias por ano. Só para quando há manutenção planejada. Se você acessar o site do ONS, vai ver que Angra 1 e Angra 2 estão a 2 GW flat [plano].

P. - O fato é que Angra 3 virou uma novela. A obra já parou até por denúncias de corrupção. Agora, um dos investidores, que é sócio, a Eletrobras, sinalizou que preferia sair. Vale a pena o governo bancar sozinho?

R. L. - Fico triste de falar, mas Angra 3 tem 39 anos de construção. É irmã gêmea de Angra 2. Em grandes números, de 2009 até 2023, foram aportados pelos acionistas, R$ 12 bilhões na construção. Pelos números divulgados recentemente pelo BNDES, com R$ 20 bilhões, a obra termina.

Pela modelagem, R$ 2,3 bilhões serão dados pelos acionistas, R$ 800 milhões pela Eletrobras e cerca de R$ 1,4 bilhão pela EMBPar e União, conforme o acordo de investimento. Todo o resto será captado no mercado e em condições de mercado, junto a um pool de bancos públicos, privados, nacionais e internacionais. A usina vai operar por 40 anos, e estimamos que, num prazo entre 16 a 20 anos, o investimento estará pago.

Pela privatização, que chamam de capitalização, foi feito um acordo de investimento no qual a Eletrobras se comprometeu, após o estudo do BNDES e a aprovação do CNPE, a aportar e garantir os financiamentos que a Eletronuclear pegar no mercado, junto com União e EMBPar.

Está escrito no acordo de investimento. É obrigação dela. Por mais que diga que seu negócio principal é geração hidrelétrica e transmissão, e não nuclear, e que faz sentido sua saída, ela tem direitos e obrigações. Sair significa que vai ter que transacionar também as obrigações que ficam. Não é assim: 'Ah, eu simplesmente vou sair'.

P. - Temos dois históricos de acidente nuclear que viraram até tema de minissérie, Chernobyl e Fukushima. As pessoas têm até medo de morar perto de usina nuclear. Como garantir que não ocorrerá um acidente no Brasil?

R. L. - As pessoas temem usina nuclear por preconceito, por causa de uma publicidade equivocada. Chernobyl foi um acidente na ex-União Soviética. Precisamos lembrar que, naquele momento, estava totalmente sucateada, e o governo resolveu fazer teste - algo que não se faria em nenhum lugar do mundo -, e saiu do controle.

Em Fukushima, um tsunami atingiu a alimentação da usina. Com o tsunami morreram 20 mil pessoas, infelizmente. Nenhuma perdeu a vida por causa do evento na usina nuclear, nem aquelas que atuaram no combate à diminuição da magnitude daquele evento. O Japão continua operando a usina nuclear normalmente, e ninguém é contra energia nuclear.

Nossos empregados e seus familiares moram a menos de um quilômetro da central nuclear há 40 anos. O nível de radiação dentro da usina é menor do que num voo de avião internacional, onde há radiação cósmica. É menor do que a radiação na praia de Guarapari, onde tem as areias negras.

Tudo que entra e tudo que sai da usina é monitorado. Por exemplo, Angra 2 tem uma chaminé altíssima. Todo o ar que entra na usina, que passa pelos prédios, é monitorado por sensores, porque entrou puro e deve sair puro. A água que é usada para qualquer coisa na usina entra e sai pura. Rejeito nunca saiu da central nuclear. Uma luva, uma ferramenta que, de repente, possa estar contaminada, também estão guardadas. Nesses 40 anos de operação de Angra 1 e nos 22 anos de operação de Angra 2, nada em tempo algum saiu da central nuclear. Está tudo guardadinho.

Troca de combustível, manutenções, tudo é programado e anunciado. Prezo muito a transparência de avisar previamente para uma parada não gerar alarme, a ideia de que algum problema aconteceu.

P. - Houve o vazamento de água em Angra 1, e a população só ficou sabendo por causa de uma denúncia anônima dizendo que era material radioativo. Como fica a confiabilidade com algo assim?

R. L. - A empresa não comunicou porque estava dentro das normas da própria companhia. Tanto é assim que a empresa foi penalizada por não ter comunicado. Posteriormente, a análise ambiental nada detectou.

Tanto CNEN [Comissão Nacional de Energia Nuclear] quanto Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente] analisaram e viram que não havia nada para penalizar a companhia. O inquérito da Polícia Federal também teve de ser arquivado. Mas a lição foi aprendida no sentido de que não importa o que ocorra, não importa se acreditamos ser irrelevante ou não, a empresa comunica.

P. - Artigo de opinião publicado na Folha de S.Paulo por especialistas do setor fez várias críticas a Angra 3, entre elas a de que baixos salários e cargos vagos são risco à segurança. Como está a questão do RH na empresa?

R. L. - Eu li o artigo. É um abacaxi atômico plantado artificialmente para causar desinformação. Sobre a questão dos funcionários, por transparência, mandamos publicar o salário de todos, exatamente como fazem a União, o BNDES. Está sendo implantado.

Os salários estão alinhados com a responsabilidade dos empregados, e alguns são extremamente altos, na casa dos R$ 90 mil por mês. Claro que não é todo mundo, mas tem uma fatia considerável da empresa que ganha valores acima dos que ganham ministros do Supremo.

Não tenho cargo vago. Tenho excesso de pessoal e preciso enxugar. Quando houve a primeira retomada de Angra 3, em 2010, fizeram concurso. A obra começou e parou, mas esse pessoal ficou aqui dentro. Tenho 2.000 funcionários diretos e mais de 1.500 indiretos tomando conta de duas usinas. Só para você ter uma ideia, as usinas mais eficientes do mundo operam com 400 pessoas para cada reator. Nós estamos pedindo um plano de demissão voluntária, para que haja um enxugamento de 487 pessoas.

Mas os autores do artigo também falam que não temos seguro. Eu não sei de onde saiu isso. Eu tenho uma apólice que custa R$ 6,3 milhões. É a apólice - vou ler, número 11872, e aí vem seis zeros. Processo na Susep [Superintendência de Seguros Privados] número 15414614998/202991.

Falaram também que a Eletronuclear tem um passivo ambiental passado, presente e futuro. Isso é desconhecer que cumprimos todas as condicionantes ambientais e que existe um fundo de descomissionamento. O que é isso? Um fundo de desmantelamento da usina. No ano passado, aportamos mais de R$ 400 milhões nele, totalizando R$ 3,2 bilhões. Repito. As pessoas temem a usina nuclear por desconhecimento e preconceito.