Por: Karoline Cavalcante

Jogos de azar e o impacto na saúde das pessoas

Mutilações, suicídio: relatos de quem se vicia em apostas bets e outros jogos | Foto: Divulgação

Nos últimos anos, a popularidade dos jogos de azar tem crescido exponencialmente. Com a facilidade de acesso através de celulares e computadores, essas plataformas têm transformado a forma como as pessoas se envolvem com o jogo. No entanto, enquanto muitos veem essas novas formas de entretenimento como uma forma emocionante de diversão, há preocupações crescentes sobre o impacto que essa acessibilidade pode gerar na vida e na saúde das pessoas.

Ainda que a lei que regulamenta as apostas on-line tenha sido sancionada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda há pedidos por uma maior atenção ao tema. Como mostra Fernando Molica na coluna Correio Bastidores, o governo estuda limitar a publicidade desse tipo de apostas. Por outro lado, há uima expectativa grande de arrecadação a partir da regulamentação desses e outros jogos. Na reforma tributária, há estudos para que os jogos compensem, por exemplo, isenções que foram criadas, como a inclusão da carne e outras proteínas na cesta básica.

O psiquiatra Fabio Leite explicou que os jogos de azar sempre existiram. Em determinado, miraram muito a teceira idade. Mas, agora, com as facilidades da internet, também o público jovem vem sendo atingindo, aumentando exponencialmente os riscos.

“Nós já tivemos uma época em que as pessoas faziam apostas nos famosos bingos, e tinha muita gente da terceira idade que ia pra socializar. Como hoje há uma massificação de uso de rede social, o público mudou um pouco, tornou-se mais jovem, até porque boa parte das apostas também foi relacionada a jogos de futebol e modalidades esportivas. E o jovem hoje também tem uma ideia de que é ganhar dinheiro sem esforço, sem precisar estudar, sem precisar trabalhar. Então, eles acham que apostar é uma forma mais fácil e mais rápida de conseguir recursos”, iniciou o psiquiatra.

Suicídio

Os riscos, porém, sao muito grandes, alerta Fábio Leite. Em vez da expectativa da fortuna fácil, o mais provável são dívidas acumuladas pela multiplicação do vício. “Inclusive, atendo uma paciente recentemente que fez uma tentativa de suicídio por conta do jogo”, conta ele. “Ela começou a apostar e acabou se desesperando porque está com R$ 15 mil de dívida e ela nem trabalha. As pessoas vão para a internet, se empogalm com os jogos e isso gera graves problemas de saúde mental”, finalizou.

Tigrinho

A reportagem conversou com uma estudante de 21 anos, que enfrentou problemas psicológicos ocasionados pela utilização do jogo do Tigrinho, um cassino online que promete grandes prêmios. O jogo foi apresentado a ela pelos seus próprios familiares, como um método para se divertir.

A estudante relata como o jogo vai aos poucos enredando a pessoa e viciando. Inicialmente, nas primeiras apostas, é normal ir ganhando. Então, empolgada, a pessoa vai aumentando as apostas até começar a ficar endividada.

“Eu comecei a jogar depositando R$ 20. Então, ganhei R$40. Aumentei a aposta e cheguei a ganhar R$ 200”, contou ela ao Correio da Manhã. “No início, foi assim, e, com o passar do tempo eu ia apostando mais e mais, pois pra mim, na época, era um modo fácil de ganhar dinheiro. Até que comecei a apostar a partir de R$ 200, Fui fazendo empréstimos e empréstimos, fiz vários cartões de crédito sem receber nada em troca. O valor começou a ficar todo perdido”, explicou a estudante, que não quis se identificar.

“Tive crises de ansiedade, pois passava 24 horas pensando em jogar, dormia pensando no jogo e acordava já com o celular na mão apertando o mesmo botão várias e várias vezes. Comecei a me punir por cada perda”, diz a estudante. O passo seguinte foi começar a se mutilar. “Cada perda era um corte no meu braço, na minha perna e assim ia, até que chegou um momento que eu não tinha mais dinheiro e já estava negativada na Serasa. Tentei me matar com remédios e comecei a culpar minha família por ter me apresentado os jogos. Agora estou em tratamento”, contou.

Tratamento

A psicóloga Andrea França afirma que, com a popularização desse jogos na internet, houve um aumento da busca por tratamento. “Ao mesmo tempo, isso gera muita vergonha nessas pessoas, porque elas percebe que não têm mais o autocontrole e só na hora em que a situação está muito grave é que elas pedem ajuda”, explicou.

Procurado pelo Correio da Manhã, o Ministério da Saúde disse que a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) oferece atendimento para pessoas com problemas de saúde mental, incluindo os relacionados ao jogo patológico. “Por intermédio do Ministério da Fazenda, o Ministério da Saúde participa da articulação para a constituição de um Grupo de Trabalho Interministerial que terá como objetivo tratar do jogo patológico”, informou o ministério.

Governo e Banco Central preparam ações para as plataformas

A partir de 2025, somente casas de apostas regularizadas poderão atuar em todo país | Foto: Divulgação

O governo Lula (PT) prepara um conjunto de mecanismos para tentar bloquear o alcance e o acesso a sites de apostas, as chamados bets, que não estiverem legalizados a partir de janeiro de 2025. Trata-se de ações articuladas com plataformas, Banco Central e operadoras de internet.

A partir de 2025, somente casas de apostas regularizadas junto ao Ministério da Fazenda poderão atuar em todo país. As bets foram liberadas no Brasil em 2018, mas sem qualquer controle -as regras estão em processo de implementação.

As medidas têm sido articuladas pela Secretaria de Prêmios e Apostas, criada neste ano no âmbito do Ministério da Fazenda. Entre as ações, estão em andamento a construção de acordos com plataformas para que sites não legalizados fiquem invisíveis. Já há conversas com empresas como Google, Meta e Kwaii.

O objetivo é estabelecer um acordo formal para que se possa acionar as plataformas que disponibilizam publicidade de sites ilegais e pedir a derrubada desses anúncios.

As casas de apostas legais receberão o domínio "bet.br". Isso será o principal marcador para diferenciar os negócios legalizados, incluindo ações educativas para sensibilizar jogadores a acessarem esse endereços.

A secretaria também já teve conversas com técnicos do Banco Central para que se possa identificar remessas financeiras de sites ilegais. Isso tem como foco sites hospedados em outros países, que hoje podem operar no Brasil sem problemas, mas que não serão mais aceitos a partir de janeiro. Haverá um acordo um formal dessa colaboração até o fim do ano.

Também está em estudo uma forma de agir junto às empresas de telecom, também para garantir a derrubada dos endereços ilegais. A secretaria não descarta adotar vias judiciais, mas trabalha para fortalecer entendimento de que há competência para solicitar a derrubada diretamente às operadoras.

"A partir do dia 1º de janeiro nós vamos usar todos os mecanismos que a gente tiver à disposição para garantir que apenas aqueles autorizados pelo Ministério da Fazenda possam prestar o serviço nacionalmente", disse à reportagem o secretário de Prêmios e Apostas, Regis Dudena.

O titular da subpasta reconhece que a tarefa será difícil, sobretudo por se tratar de ambiente virtual e de fácil disseminação e replicação de endereços maliciosos. "A gente não tem bala de prata, mas temos diversas medidas para deixar claro para a sociedade que aqueles que quiserem buscar uma casa de aposta, precisam buscar apenas as casas autorizadas. Só em uma casa autorizada haverá uma mínima garantia de ter a sua saúde mental e a saúde financeira preservadas, e não ser objeto de fraude."

Todas as medidas em construção, diz Dudena, têm amparo na legislação construída pelo atual governo. A oferta de sites de apostas esportivas é liberada no Brasil desde 2018, após lei aprovada no governo Michel Temer (MDB). A partir disso, propagandas de bets passaram a dominar a TV aberta, sobretudo em jogos de futebol, e as redes sociais foram inundadas de anúncios, viralizados pela atuação de influenciadores famosos.

O governo de Jair Bolsonaro (PL) teve quatro anos para regulamentar o mercado, mas não o fez. Assim, o número de casas de apostas explodiu sem regras claras, o que veio acompanhado de denúncias de combinação de resultados, sites fraudulentos e propagandas enganosas e direcionadas a menores de idade.

"O que aconteceu nesse período foi o desenvolvimento, por um lado, de fato de um serviço de apostas, e por outro, a utilização desse setor por organizações criminosas, seja para fraude, seja para lavagem de dinheiro", disse o secretário. "Com o crescimento da atividade sem regulamentação, se misturam esses dois tipos de serviços."

É nesse ambiente de proliferação que se encontra, por exemplo, golpes relacionados ao chamado "jogo do tigrinho". A regulamentação prevê certificação dos jogos nas casas de apostas legalizadas, o que pode garantir proteção contra golpes que utilizam as características visuais do jogo desse game.

"Na verdade, são mecanismos fraudulentos que equivalem a uma máscara de um site de ecommerce, em que você clica, paga e nunca vai receber. Então não tem nada a ver com apostas, é só golpe", diz o Dudena.

As casas legalizadas terão de garantir a adequação às regras, seja com relação ao pagamento de impostos, pela oferta de jogos certificados e pela não proliferação, por exemplo, de publicidade a crianças.

O governo Lula passou a trabalhar na regulamentação no ano passado, com a edição inicial de uma medida provisória. Uma nova lei foi aprovada no fim do ano definindo taxação e funcionamento das empresas, no âmbito dos chamados jogos de quota fixa (em que se sabe quanto se pode ganhar ou perder ao apostar) e também com as linhas gerais de credenciamento.

Durante a tramitação do projeto de lei na Câmara, os deputados incluíram nessa categoria, além das apostas esportivas, também os jogos online, onde entram cassinos e outros jogos de azar em ambiente virtual.

O governo editou dez portarias com regras específicas para o processo de regulamentação. As casas interessadas a atuar legalmente no país a partir de janeiro têm até esta terça-feira (20) para se credenciar.

O cadastro não será fechado, mas somente quem se cadastrar neste prazo tem a garantia de que poderá operar a partir de janeiro, caso sejam demonstrem adequação às regras.

Até o meio da tarde, 69 empresas haviam entregado os documentos. Como cada uma deve pagar uma outorga de R$ 30 milhões, esse conjunto de empresas representa uma entrada inicial de R$ 2 bilhões para o governo, se todas forem aceitas.

Esses valores devem ser pagos no fim do ano. O secretário disse que, por causa das informações não consolidadas dos valores do mercado, as projeções sobre arrecadação futura de impostos ainda são incertas.

O modelo federal de regulamentação ocorre em paralelo à criação de processos de cadastro também pelos estados, nos quais casas de apostas são credenciadas para atuação no território. O governo Lula negocia com os governos estaduais para também haja o uso do domínio "bet.br" nas casas liberadas pelos estados de modo a simplificar a diferenciação dos legalizados.

Por Paulo Saldaña (Folhapress)