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Terras brasileiras em mãos estrangeiras superam o registrado pelo Incra

Operações que envolvem uma área significativa de terras compradas por empresas estrangeiras não estão contabilizadas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), mostra levantamento feito pela LCA Consultoria Econômica para embasar a disputa bilionária entre a Paper Excellence e a J&F, dos irmãos Batista, pela Eldorado Celulose.

O estudo compila dados da base independente Land Matrix, financiada pela Comissão Europeia, para mostrar que estrangeiros têm no Brasil 3,33 milhões de hectares -cerca de 15% mais do registrado no Incra. A base do SNCR (Sistema Nacional de Cadastro Rural), disponibilizado pelo órgão federal, contabiliza 2,8 milhões de hectares de terras rurais em propriedade de estrangeiros.

A Land Matrix registra transações com 200 ou mais hectares de pessoas jurídicas em todo o mundo e acompanha a compra de terras brasileiras por estrangeiros desde 2000. A base do Incra, por sua vez, registra terras de todos os tamanhos, de pessoas físicas e jurídicas estrangeiras. A segunda deveria ser superior a primeira, e não o contrário.

Ao consultar os investidores em terras no Brasil, a Land Matrix identificou que todos os 123 negócios computados ao longo de 23 anos tinham investido em terras para atender atividades produtivas específicas, com destaque para a produção florestal.

No conjunto das informações coletadas, fica claro, por exemplo, que o controle acionário é elemento importante nos negócios fechados por estrangeiros no Brasil. Levantamento a partir do TTR Data, plataforma que mapeia fusões e aquisições, mostra que foram realizadas 737 operações envolvendo estrangeiros de 2010 a 2023. Em 535 delas, o equivalente a 72,6%, os estrangeiros assumiram o controle das empresas.

Nos setores que dependem do uso da terra, como agricultura e pecuária, plantio florestal ou mesmo energia, para instalação de parques eólicos ou solares, a questão fundiária também tem peso. Foram realizadas, no mesmo período, 241 transações nessas áreas de negócios, sendo que em quase metade, 49%, as terras eram essenciais para as atividades operacionais, seja por propriedade ou arrendamento.

Segundo o Land Matrix, de 2010 para cá, quase 1,9 milhão de hectares foram negociados em 79 operações de cinco setores: agricultura, pecuária e serviços relacionados, produção florestal, energia, extração de minerais metálicos e extração de minerais não metálicos.

Nesse conjunto, 18 operações de agropecuária e atividades correlatas ficaram com 75,8% das terras. A produção florestal, responsável por 37 negócios -praticamente o dobro-, ficou com 15% do total das terras negociadas. Trata-se de uma sinalização de que setores industriais que dependem da terra podem estar fazendo o chamado planejamento fundiário -buscando alternativas à lei para conseguir os insumos.

O parecer ainda destaca que muitos são os países que adotam medidas para proteger soberania nacional, mas com equilíbrio, porque também estão interessados em atrair o investimento estrangeiro e seus efeitos benéficos sobre o crescimento econômico e geração de empregos.

Dados reunidos pela LCA mostram que, no ano passado, cultivos e criação de animais para indústria alimentícia e para produção de biocombustíveis, produção florestal para fabricação de papel e celulose, geração de energia elétrica a partir das fontes eólica e solar, indústria extrativa de minerais metálicos e não metálicos responderam, no conjunto, por 56% da arrecadação nacional de ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural).

Segundo o parecer, o investimento direto por estrangeiro nesses setores ocorre principalmente por posição de controle: 89% das empresas que recepcionam investimento estrangeiro possuem 50% ou mais do seu capital nas mãos de estrangeiros.

Empresas investidas por estrangeiros também empregavam cerca de 3 milhões de trabalhadores em 2020. Atualmente, 43% dos trabalhadores do setor de energia estão de empresas com capital estrangeiro.

Parecer

O estudo da LCA está sendo preparado para ser apresentado pela Paper Excellence, do empresário indonésio Jackson Widjaja, como um parecer sobre efeitos econômico da aplicação de leis que regem a compra e o arrendamento de terras rurais por estrangeiros no Brasil.

A avaliação será utilizada na nova rodada de embates judiciais dentro da disputa com a J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, pelo controle da Eldorado Brasil Celulose.

Paper e J&F negociaram o controle da Eldorado em 2017, mas os vendedores questionam o processo e até hoje a compra não foi efetivada. O negócio é avaliado em R$ 15 bilhões.

Na etapa atual de embates, a Paper é questionada em diferentes frentes por não ter submetido o negócio à análise do Incra. Segundo órgão, a Eldorado tem cerca de 14, 5 mil hectares de terras rurais, mais 400 mil hectares arrendados. Nesta terça-feira (30), ocorre julgamento sobre o caso no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

No Incra, o processo contra a Paper foi deflagrado por uma denúncia anônima. A empresa já apresentou dois pareceres jurídicos, um da jurista Ellen Gracie, primeira mulher a integrar o Supremo Tribunal Federal, e outro do ex-advogado-geral da União Luis Inácio Adams.

Ao avaliar as exposições, no final de junho, o Incra entendeu que o procedimento de compra e venda da Eldorado, por estar em discussão judicial, ainda não foi concluído, e sugeriu que o processo fosse encaminhado à apreciação da Procuradoria Federal Especializada para manifestação acerca dos aspectos jurídicos dos pareceres. Em resposta, o recurso foi negado.

O parecer econômico da LCA não foi apresentado no julgamento desta terça. Na atual etapa, o TRF-4 não julga o mérito da questão. Avalia o uso de uma ação popular como instrumento para suspender a venda da Eldorado.

A ação foi apresentada pelo ex-prefeito de Chapecó, Luciano Buligon, mas rejeitada em primeira instância. A juíza Heloisa Menegotto Pozenato, da 2ª Vara Federal do município, entendeu que uma ação popular não seria adequada para tratar do tema. Nem chegou a julgar mérito. Houve recurso, que foi acolhido pelo desembargador Rogério Favreto. Agora, a validade desse instrumento será avaliada pelos demais desembargadores.

Procurada pela reportagem para comentar a conclusão do parecer, o Incra destacou a diferença entre cadastro e registro. Afirmou que atua com cadastro territorial de imóveis em sua base de dados, e que registro é competência dos cartórios de imóveis. Os números cadastrados junto ao órgão são fruto do fluxo de processos que chegam à autarquia.

A reportagem fez contato com J&F para que comentasse o litígio, mas a empresa não se manifestou até a publicação deste texto.

Por Alexa Salomão (Folhapress)