Por: Leandra Lima - PETR

Flipetrópolis coloca em pauta assuntos pertinentes à sociedade

" A palavra dita é o corpo presente", as pessoas são múltiplas, não existe só uma maneira de falar | Foto: @alnereis/ Flipetrópolis

Por Leandra Lima

O primeiro Festival Literário Internacional de Petrópolis durou cinco dias. O evento, que começou na quarta-feira, 1° de maio, terminou neste domingo (5), e já deixou saudades aos espectadores que tiveram a oportunidade de conhecer mais profundamente o trabalho e o contexto trazido nos textos de cada literário. O festival reuniu escritores, estudiosos e pensadores, conhecidos em território nacional, internacional e regional, que trouxeram para os debates questões sociais, que são retratadas em suas obras. Um tema comum entre as mesas de bate-papo foi como a literatura é capaz de externar os problemas de diferentes maneiras sendo consequentemente fonte de reflexão. Uma frase que resume esse pensamento coletivo, foi dita pelo escritor Itamar Vieira Junior, durante um discurso que disse: "A literatura permite adentrar as subjetividades da vida humana, causando um movimento de pensar nas questões humanas de outra maneira".

O lugar de reflexão fez muitos autores colocarem em xeque a história do Brasil, trazendo à tona inquisições sobre racismo, resistência, mudança climática, direitos humanos, desigualdade, novas formas de censura, entre outros tópicos; destacando a literatura como uma ferramenta para ajudar a refletir a história e resguardar memórias e características de uma comunidade, respeitando os modos de vida e as características linguísticas de cada povo.

Em meio aos pontos mencionados, alguns artistas compartilharam com a reportagem do Correio, seus ideais e formas de verem as construções literárias que os fazem únicos, por retratar a realidade e respeitar o corpo vivo dentro do universo da escrita, que é capaz de atingir massas e diversas camada sociais, provocando um fenômeno de autoconhecimento. Além de provocar um abalo nas estruturas sociais que se mantém em um modelo ainda muito violento em todas as esferas da sociedade.

Conceição Evaristo

A escritora traz em seus textos memória viva marcada pela ancestralidade, e de uma forma poética descreve fatores relacionados à afrobrasilidade, destacando a vivencia de mulheres negras no espaço social, perpassando por temas como discriminação, injustiça, violência de raça e gênero, entre outros temas que atravessam essas mulheres e a comunidade.

Uma das características de Conceição Evaristo diz respeito à palavra dita, uma forma de resistência e de manutenção da singularidade dos indivíduos.

A linguagem da norma culta, para ela não é a única, existem diferenciações por conta da diversidade, esse fator precisa ser respeitado, a maneira que um médico fala, é diferente de um lavador de carros e assim por diante. As pessoas são múltiplas e possuem vivências diferentes. Segundo a autora, a palavra dita é o corpo presente, o jeito que se fala carrega memórias e histórias, e isso é o cotidiano. "O grande exemplo desse cotidiano que eu tento levar para o texto é a frase 'A gente combinamos de não morrer'. Quero que o meu texto seja oriundo dessa oralidade, que tem corpo", fala.

Com essa expressão vem o termo criado pela autora, conhecido como escrevivência, uma conexão das palavras escrever e vivência.

"Eu penso a escrevivência num sentido coletivo. Quando trouxe esse termo, apresentei como 'a nossa escrevivência', pensando justamente na escrevivência de outras mulheres negras. Pois ele carrega um fundamento histórico e ancestral, na geologia da ideia, sendo uma reversão da fala, como quando as mulheres africanas escravizadas dentro de casa tinham que contar histórias para as crianças da casa grande. E hoje tem o sujeito mulher negra que constroi uma história, que não é mais para ninar o da casa grande, e sim para incomodar. Então é como se essa voz que foi silenciada e escravizada explodisse, tem uma voz coletiva que se rompe libertando as vozes escravizadas dentro da casa grande. A escrevivência carrega essa potencialidade de ser uma narrativa que explicita não só a voz do sujeito narrador, mas sim as nossas vozes e a dos nossos ancestrais, que foram caladas", expressa.

Jeferson Tenório

O escritor também retrata nas obras as vivências e os tipos de violência que um homem negro sofre dentro da sociedade. Um dos seus livros de destaque, chamado "O Avesso da Pele" onde o autor destaca que não é um livro sobre racismo, mas, sim, sobre a vida e o cotidiano de uma pessoa preta em determinados espaços sociais, sofreu censura em cerca de 18 estados brasileiros.

"Essa foi a primeira vez que o livro foi censurado por causa da linguagem, antes já tinha sido por conta do tema, que traz a violência policial. Desta vez, depois da surpresa veio a reação das pessoas em querer saber o que está acontecendo, e isso fez com que a obra chegasse em diversos lugares", explicou.

Para Jeferson a censura tem aspectos sutis, assim como o racismo. "Existem artimanhas que passam invisíveis aos olhos, não é porque um livro é vendido que não seja censurado", disse.

Cármem Lúcia

A ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, trouxe para o debate a relação dos direitos humanos. Em sua fala, a ministra ressalta que é importante lutar por direitos todos os dias. "Que se faça sempre a luz a iluminar a humanidade, pelo o modelo que é preciso lutar por direitos todos os dias", disse. Na ocasião, a ministra lançou seu livro "Direito de para todos" onde reúne os trinta artigos da Declaração dos Direitos Humanos e apresenta, para cada um deles, interpretações que mesclam história, ficção e um amplo olhar humanista.

Levando para um outro lado, as escritoras Ana Maria Machado e Carla Madeira falaram durante o evento sobre a literatura num outro lugar.

Ana Maria Machado

A escritora fala da importância de introduzir a leitura ainda na infância. "É muito importante que as crianças ouçam histórias, antes mesmo de apreenderem a ler, por que é um mundo da imaginação onde ela vai entrar e viver mais vidas além da dela, então ela pode sonhar com coisas que ela queria, externar o medo de alguma coisa, por isso tantas histórias tem bruxas gigantes, lobos de sete cabeças, por que permite a criança viver o medo e resolver aquilo para que ela ultrapasse", ressalta.

Além disso, Ana fala que a literatura carrega uma herança cultural e ancestral. "Há um patrimônio e um legado de milênios onde as pessoas vêm construindo histórias e memórias e nós herdamos isso, então temos direito de participar dessa herança. Quem não lê, perde uma parte disso, e é profundamente injusto que algumas pessoas tenham direito a esse tesouro, mas não usufruem disso", fala.

Carla Madeira

A autora expressa que a literatura e a escrita lidam com questões que atravessam cada ser. "Escrever é se colocar em escuta, é você deixar o outro falar, é o campo das possibilidades onde se pode explorar todas as camadas que um ser humano pode viver".