Brasil tem quarto pior índice de saúde mental mundial

Ranking considera dados relacionados a 71 países

Por Ana Paula Marques

Brasileiros estão entre os que mais relatam dificuldades na América Latina

Um estudo feito pela organização de pesquisa sem fins lucrativos, Neurotech Sapien Labs, mostrou que o Brasil tem a quarta pior taxa de saúde mental do planeta. O país recebeu a nota 53, de um total de 110, ficando na frente apenas da África do Sul (50), Reino Unido (49) e Uzbequistão (48). O ranking The Mental State of the World mapeia a qualidade da saúde mental ao redor do globo, ao todo são 71 países analisados pela pesquisa.

Os brasileiros estão entre os que mais relatam sentir stress e dificuldades com a parte mental de sua saúde, são ao todo 34% de pessoas no país que relatam os sintomas. Além disso, o país sai como párea na América Latina, já que o continente está inserido entre os campeões do bem-estar psicológico. No top 10 global, metade são latinos: Uruguai (81), Costa Rica (81), El Salvador (83), Venezuela (83), Panamá (85) e República Dominicana (91).

Causas

A psicóloga Roseana Ribeiro explica que o Brasil preocupa nessa lista, pois já ocupou, anteriormente, a liderança na América Latina em termos de casos de ansiedade e depressão, são quase 19 milhões de brasileiros vivendo esse problema. Para a especialista, as políticas públicas são um forte fator para essa realidade.

“A forma de fazer política é e tem sido a de destruir para construir, e a cada quatro
anos vivemos em um eterno recomeço. Falta o básico; saneamento, saúde, segurança, transporte. Tudo isso traz a tona uma desigualdade alta, violência urbana e rural, condições de vida miserável geradoras de estresse crônico, e se não tem nem acesso à água ou esgoto, imagine acesso a tratamentos e serviços de saúde mental adequados”, afirma.

Para a psicologa, com todas essas questões se estendendo por décadas, o brasileiro, geração após geração, acaba adotando uso de drogas, licitas e ilícitas, para amenizar a dor na busca do “alívio do desprazer”. “Assim gradualmente nos tornando um país sem valores, onde transtornos como ansiedade e depressão tendem a crescer, especialmente quando as redes de apoio sociais são frágeis ou inacessíveis. Para piorar a sociedade continua enxergando saúde mental como perfumaria, se recusando a olhar como algo fundamental e urgente”, explicou.

Jovens

O relatório destaca ainda que a população jovem é a mais afetada, com aqueles entre 18 e 24 anos tendo uma probabilidade cinco vezes maior de relatar queixas de saúde mental em comparação com a geração de seus avós.

A psicologa informa que tudo tem início com os jovens. “ Isso se confunde com outra questão. Não é possível ter saúde mental numa família onde os pais trabalham sendo mal remunerados, tratados com um sorriso hipócrita e ameaçador. Não haverá saúde mental numa família que tem os pais com uma remuneração acima da média e conforto dos bens materiais, mas que contam com empregados que substituem a família e a ausência dos pais, mesmo quando estão presentes. Crescer com o sentimento de abandono ou menos valia é gerador de péssima saúde mental”, argumenta.

Mais da metade dos jovens na região da América Latina e do Caribe, relataram sintomas clínicos de transtornos de saúde mental. Enquanto menos de 15% das pessoas entre 55 e 64 anos tiveram pontuações negativas no índice, entre 18 e 24 anos esse percentual foi acima de 50%.

O número piora ainda mais no Brasil, sendo o nono país com essa maior discrepância: são 39% mais pessoas de 18 a 24 anos relatando os problemas quando comparado aos de 55 a 64 anos.

Como recuperar a saúde

Para Roseana Ribeiro não existe um manual para mudar essa realidade do ranking. Mas, além de uma mudança de postura dos nossos representantes e de apostas em políticas públicas sérias, também é preciso promover em casa a necessidade de uma vida de trabalho e família equilibrados. “Precisamos urgentemente incentivar práticas de autocuidado saudáveis. Precisamos parar e reavaliar como estamos nos tratando reciprocamente e principalmente a nós mesmos. Precisamos de menos ego e mais alma”.

É preciso de mais profissionais na área e, além disso, uma implementação ainda maior de campanhas de conscientização para reduzir esse estigma, defende a psicologa. Investir em políticas públicas também “é essencial e urgente, e nossos representantes precisam cuidar da saúde mental da sociedade, mesmo que não traga votos de imediato”.

A pesquisa

O instituto não considera que ter saúde mental em dia é necessariamente relacionado à alegria ou à tristeza. Ela “reflete as impressões de um indivíduo sobre como seu estado interior impacta sua habilidade de funcionar no contexto da vida”, de acordo com o Sapien Lab.

A plataforma organiza seu quociente em eixos específicos: a habilidade de regular emoções e otimismo no futuro; como a pessoa se enxerga nos olhos dos outros; motivação; conexão entre saúde da mente e do corpo; capacidade das funções cognitivas; e desenvoltura para se adaptar, ser resiliente. Destes, apenas resiliência e motivação superam os 70 pontos entre os brasileiros.