Por: Mateus Souza

Brasília, os desafios da jovem senhora

Ponte sobre o Lago Paranoá é um dos exemplos da arquitetura contemporânea da capital federal | Foto: Divulgação/Setur-DF

Brasília completa 64 anos neste domingo (21). São seis décadas de história, que passa desde a inauguração da cidade — quando nem todos os edifícios, que hoje são icônicos, estavam prontos, e 60 mil pessoas viviam em um imenso canteiro de obras — até os dias atuais. Muita coisa mudou. Hoje, o Distrito Federal abriga a região administrativa com a maior densidade demográfica do país: Águas Claras. As estruturas construídas para abrigar os quase três milhões de habitantes mudaram e hoje a capital precisa lidar com problemas que são mais comuns em grandes metrópoles, em geral bem mais antigas.

Entre as questões mais levantadas, os edifícios abandonados ou obras inacabadas têm pautado debates, como o que ocorreu em uma audiência pública da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), no último dia 12. Segundo as autoridades, o fenômeno tem envelhecido o Distrito Federal e gera outras consequências, como problemas de segurança e até questões sanitárias, devido à propagação do mosquito da dengue. Por isso, em janeiro a Justiça do DF concedeu permissão para que os agentes de saúde ingressassem em estruturas e imóveis abandonados, a fim de combater os focos de proliferação do Aedes aegypti.

Abandono

Durante a audiência pública na CLDF, o administrador regional de Águas Claras, Mário Furtado, apresentou o mapeamento de 11 edificações em situação de abandono, das quais duas estão em fase de fundação e outras duas estão parcialmente ocupadas. Os presentes elencaram quatro soluções possíveis: criar um cadastro de prédios abandonados, fazer trabalhos de revitalização, demolir as estruturas que não possam ser revitalizadas e reforçar a segurança.

O Distrito Federal tem acumulado histórias relacionadas a essas estruturas. Um dos exemplos ocorreu em 6 de janeiro de 2022, em Taguatinga Sul, quando um edifício desabou parcialmente e 23 famílias perderam, além da moradia, vários pertences. Na época, os moradores entraram em litígio com o proprietário do edifício, por conta da falta de assistência.

Por outro lado, boa parte dos edifícios abandonados são públicos, e a situação de abandono ocorre, justamente, pela falta de gestão e manutenção. Também em Taguatinga, artistas e representantes do setor protestaram em frente ao Teatro da Praça, em março deste ano. O grupo pediu pela reforma e reabertura do espaço, que foi inaugurado em 1966 e, desde 2019, encontra-se abandonado.

Alguns exemplos ficam mais marcados que outros, como a Academia de Tênis José Farani, o Hotel Torre Palace, o Clube Primavera, a Escola Superior de Guerra (Ruínas da UnB), a Estação de Trem Bernardo Sayão, o Polo de Cinema e vídeo Grande Otelo.

Inativos

Outro problema decorrente dessas seis décadas de crescimento acelerado é a ocorrência de unidades inativas. Ou seja, a obra foi finalizada, mas permanece sem uso.

O último levantamento do Observatório Territorial, realizado em 2017, aponta que existem 79.908 unidades (terrenos, apartamentos e lotes) inativos no DF. Desse total, 41.027 são residenciais. Além disso, são 28.880 lotes vagos e 2.835 lotes subutilizados, de um total de 379.462. Um desses espaços inativos hoje, em reforma há dez anos, é o icônico Teatro Nacional Claudio Santoro.

Giselle Moll, arquiteta e conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico do DF (Codese/DF), explicou que muitos desses imóveis estão inativos por estarem em processos na Justiça, por motivos variados, como disputa de herança entre familiares ou entre os compradores e a construtora. Outros por problemas estruturais ou de segurança, caso do Teatro Nacional.

Devido às diversas formas em que ocorrem o abandono dessas estruturas, é justamente na legislação que os especialistas em urbanização acreditam que o problema pode ser enfrentado. Como exemplo, o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) tem papel central na organização da cidade e, consequentemente, no tratamento do problema.

Também no âmbito do Distrito Federal, a Lei 6.911, de 21 de julho de 2021, determina que o governo local possui autoridade para “impedir que imóveis abandonados, públicos e privados, causem deterioração urbana”. Dessa forma, para assegurar a função social do imóvel urbano, considerado vago ou não, a gestão pode executar reformas ou demolições nos edifícios, após um processo administrativo e de arrecadação.