Por Ana Luiza Albuquerque (Folhapress)
Renata entra no cômodo e senta-se na cadeira. Uma moça se aproxima e usa uma fita métrica para calcular a circunferência de sua cabeça. Em seguida, entrega a Renata uma touca com vários buraquinhos em cada um, ela encaixa um eletrodo. Com uma seringa, espalha no couro cabeludo um gel abrasivo que facilita a condutividade dos sinais elétricos cerebrais.
Renata faz um eletroencefalograma, mas não pelo motivo usual. A cena se desenrola em uma pequena sala da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em Belo Horizonte. Pesquisadores do departamento de psicologia decidiram coletar a atividade cerebral de eleitores do presidente Lula (PT) e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para medir a polarização política.
A ideia partiu do doutorando Diego Cortezzi Pedras, interessado em encontrar um método mais objetivo para acompanhar o fenômeno as ferramentas mais comumente utilizadas, como questionários, são subjetivas e sensíveis a vieses. "Esses instrumentos de autorrelato não estavam conseguindo acompanhar os principais fenômenos. Por exemplo, não apresentaram o crescimento da extrema-direita, não só no Brasil, como no mundo", diz.
Os voluntários da pesquisa, como a contadora Renata Pereira, são chamados para participar de um teste com três fases. Petista, ela conta que já votou em Lula três vezes e chora ao lembrar da vitória nas eleições de 2022 contra Bolsonaro. "Foi um dos dias que eu nunca vou esquecer. Foi um alívio."
Renata diz que aceitou o convite da universidade porque quis apoiar a ciência. "Eu nem pestanejei. Acho que a gente tem que fazer nosso papel", afirma.
A primeira fase da pesquisa envolve o preenchimento de um questionário. A segunda é realizada enquanto eletrodos captam a atividade cerebral. Sozinhos em uma espécie de cabine, os participantes sentam-se em frente a uma tela, onde aparecem imagens alternadas de um homem desconhecido (que corresponde a um estímulo neutro e frequente), de Lula e de Bolsonaro.
Essa atividade é separada por blocos em cada um, os voluntários são requisitados a contar quantas vezes a foto de Lula ou de Bolsonaro aparece na tela. Enquanto isso, do outro lado da parede, os pesquisadores acompanham em uma tela a transmissão dos sinais elétricos captados.
Nesse teste, eles analisam principalmente os resultados dos lobos frontal e parietal. Olhando para os gráficos dessas regiões, os pesquisadores conseguem avaliar o grau de atenção dos participantes quando confrontados com imagens do político que apoiam e do político do espectro oposto.
As ondas retratadas no exame atingem um pico quando o voluntário é apresentado às imagens de Lula e Bolsonaro, o que revela um aumento da atenção nesses momentos. Os pesquisadores observaram que esses marcadores se manifestam de forma mais aguda quando o eleitor vê a imagem do político de sua preferência.
O uso da ferramenta para medir a polarização política é inédito no país, afirmam os pesquisadores. Foram realizados testes com 40 voluntários, e o objetivo é alcançar mais 30. Os resultados ainda não foram publicados e revisados por pares o que deve acontecer neste ano, mas apontam para um cenário preocupante.
"O eleitor de Bolsonaro não dá tamanha atenção a Lula. E o eleitor de Lula não dá tamanha atenção a Bolsonaro", diz a pesquisadora Margarete Schmidt, doutora em Neurociências pela UFMG.
Segundo ela, há indícios que essa falta de atenção é um pouco maior entre os bolsonaristas. "É como se eles estivessem mais resistentes [ao outro lado]", diz.
Mesmo quando o voluntário é orientado a contar quantas vezes o político que o desagrada aparece na tela atividade que em tese demandaria mais atenção para essa imagem o exame indica que ele continua mais atento quando confrontado com a imagem do político que apoia. Isso vale tanto para apoiadores de Lula quanto de Bolsonaro.