Os bilionários da cloroquina II - As estranhas relações da Marinha do Almirante Garnier e a farmacêutica EMS de Carlos Sanchez
Compra de Viagra superfaturado gerou um caixa de R$ 28 milhões. Alvo de busca e apreensão na operação Tempus Veritatis, Almirante nunca explicou as águas turvas do negócio com amigo de Bolsonaro
O ex-comandante da Marinha, Almirante Almir Garnier Santos foi alvo de busca e apreensão na operação Tempus Veritatis e é apontado como o comandante militar mais entusiasmado com a ideia de um golpe para evitar a posse do presidente Lula. Na operação de fishing realizada nos endereços do ex-comandante da Marinha, foram procurados documentos que expliquem este negócio nebuloso, afirmou ao Correio da Manhã uma fonte que acompanha as investigações. Para ele, chamou a atenção dos investigadores que seja exatamente a Marinha a parceira de um negócio com a farmacêutica EMS, com suspeita de superfaturamento. São R$ 28 milhões de sobrepreço para irrigar o bolso ou um projeto em curso de longo prazo? Como um parceiro do presidente consegue que a arma comandada pelo Almirante Garnier faça esta compra sem questionar os altos valores contados? Qual a ideia deste fundo de caixa realizado pela farmacêutica e Garnier?
Questionada pelo Correio da Manhã, a EMS não respondeu às perguntas da reportagem. Preferiu o silêncio. Não respondeu sobre o seu relacionamento comercial com a Marinha e nem com o ex-ministro da Saúde, Luís Henrique Mandetta.
No Governo Bolsonaro, um negócio para lá de excitante para o laboratório EMS, a compra superfaturada do medicamento sildenafila – o popular viagra (para disfunção erétil) – pela Marinha acarretou um prejuízo à União superior a R$ 28 milhões. Além do Kit Convid, com a venda da cloroquina, este é mais um negócio que chama atenção do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, que investigam a atuação de empresários no financiamento de personagens envolvidos com o 8/1. Carlos Sanchez teve uma relação pública com o então presidente Jair Bolsonaro, e faturou com a explosão da venda do medicamento.
A EMS não se curvou aos estudos científicos que alertavam sobre o risco da utilização e a ineficácia da cloroquina na Covid. O aumento da produção e o socorro a Bolsonaro para conseguir insumos na Índia só sinalizam uma afinidade que tece a sua investigação ampliada.
Sobre a venda do viagra à Marinha, o deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) decidiu apresentar representação junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), com pedido de abertura de investigação a respeito da transação, pela qual o Executivo teria adquirido 11 milhões de comprimidos de citrato.
"Esse prejuízo, avaliado, a princípio, em R$ 28 milhões, é dinheiro público indo para o ralo da corrupção enquanto o povo brasileiro recolhe alimentos no lixo e come sopa de osso. Essa situação precisa ser investigada", protestou Vaz, ao revelar que o contrato firmado entre o Comando da Marinha e o laboratório EMS previa o fornecimento de comprimidos de citrato de sildenafila em doses de 20, 25 e 50 miligramas, durante o período de 2019 a 2022. Também pelo acordo, haveria transferência de tecnologia de fabricação do medicamento pelo laboratório da Marinha, o que suscitou dúvidas sobre a validade da negociação.
Além do descrito, outro superfaturamento de preços foi identificado, desta vez, nos preços para a compra dos remédios. Conforme os empenhos autorizados pelo governo federal, cada comprimido teria um custo variável entre R$ 2,91 e R$ 3,41, em ambos os casos, valores superiores aos praticados pelo Ministério da Saúde,
Uma vez consolidada a contabilidade, o gasto total da Marinha, com a compra do medicamento, chegou à 'bagatela' de exatos R$ 33.592.714,80. Caso este tivesse sido adquirido pelo Departamento de Logística do Ministério da Saúde, o custo ao Tesouro Nacional não passaria de R$ 5.382.059,52, uma soma cinco vezes menor.
Foi exatamente a Marinha a arma que esteve mais próxima de apoiar a ideia do golpe após a eleição de Lula. O ex-comandante, almirante Almir Garnier Santos, foi alvo de busca e apreensão na operação Tempus Veritatis. Esta compra de viagra da EMS exala uma perigosa proximidade que chama atenção das investigações. O negócio da farmacêutica de Carlos Sanchez e as denúncias de superfaturamento, exatamente com a Marinha, não parecem ser obra do acaso.
Tão grave quanto o saque do Erário foi a informação – constante de documento apresentado – em audiência pública, nas comissões de Fiscalização Financeira e Seguridade Social e Família da Câmara – de que a compra da Marinha não precisaria ter sido realizada, uma vez que o Exército já detinha a tecnologia necessária à produção do medicamento, indicado para impotência sexual, tendo adquirido, na ocasião, a um custo de R$ 88,2 mil, 75 quilos da substância ativa, pela qual seriam produzidos 3,75 milhões de comprimidos. Indignado, o parlamentar socialista disparou: "Por que a Marinha tem que pagar pedágio para a EMS se o Exército tem a tecnologia para produzir?", acrescentando que se trata de "uma situação muito grave e revela que o Ministério da Defesa nem sabe o que está acontecendo sob o seu comando. É um escândalo com dinheiro público", sentenciou Vaz.
Também presente à audiência da Câmara, o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, salientou que as compras nas Forças Armadas ocorrem com total transparência e lisura, em que "cada Força tem sua peculiaridade e sua autonomia administrativa. Temos um controle interno e externo rigorosos". Na oportunidade, outro escândalo envolvendo o governo Bolsonaro veio à tona. Além dos comprimidos 'hiperfaturados', os militares também compraram 60 próteses por R$ 3,5 milhões para unidades ligadas ao Exército. Ante à defesa da aquisição por aliados do governo na comissão, a deputada federal Soraya Manato (PTB-ES) perdeu a paciência: "O senhor perdeu tempo vindo aqui, ministro [Nogueira de Oliveira, da Defesa]. São 60 próteses para 530 mil militares", ironizou a parlamentar trabalhista.
Em outro escândalo milionário, o Ministério da Justiça e Segurança Pública multou a EMS em R$ 6,5 milhões, por comercializar remédios para pressão alta contendo impurezas, sem contar o fato de que as empresas do grupo farmacêutico se mostraram 'omissas', no sentido de promoverem 'recall' dos produtos, contaminados pela substância nitrosamina. Sobre o episódio, em nota, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) esclarece que "foram encontradas, em lotes de remédios de pressão alta, impurezas que podem causar câncer, por se tratar de medicamentos de uso continuo".
Mas a lista de falcatruas envolvendo o grupo EMS parece não ter fim. Criada para investigar denúncias de corrupção na construção da fábrica da Fundação para o Remédio Popular (Furp), na cidade paulista de Américo Brasiliense, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), culminou com a recomendação de que fosse rompido o contrato (uma Parceria Público Privada, PPP) entre o governo de São Paulo com a EMS, que resultou em um prejuízo anual de aproximadamente R$ 56 milhões, aos cofres bandeirantes.
Segundo deputados integrantes da CPI, antes estável, a situação financeira da Furp se modificou inteiramente, em razão de gastos não planejados de construção da fábrica, já mencionada, e o início de uma nova operação em outra unidade. Isso sem contar com uma indenização suspeita de R$ 18 milhões, paga ao consórcio responsável pelas obras, da qual também fazia parte a EMS.
A respeito das irregularidades constatadas, o relatório da CPI assinala: "Deve-se ressaltar que toda a dívida acumulada pela Furp é fruto de investimentos em obras e aquisição de equipamentos e medicamentos da unidade de Américo Brasiliense, a preços acima da ata de registro de preços e a Secretaria da Saúde, no começo da operação, não repassou os valores devidos ou quando começou a repassar, repassou com valor inferior, justificando que deveria pagar o preço da ata, causando esse enorme passivo à Furp".
Pelo contrato original, no valor de R$ 2,3 bilhões, caberia à EMS investir R$ 130 milhões nos cinco primeiros anos da concessão, cujo prazo final era de 15 anos, além de ser responsável pela obtenção de licenças e pela produção de 96 medicamentos a serem fornecidos às unidades de saúde estaduais e municipais. Passados seis anos, a produção da farmacêutica se limitou a 13 medicamentos, pelo dobro do preço de mercado, mediante investimentos que não passaram de R$ 70 milhões.
(Parte III - A relação da farmacêutica EMS com o SUS e o Ministério da Saúde)
