Por: Gabriela Gallo

"Ser mãe vai além dos papéis de gênero tradicionais"

Naiara e Janaina formam uma família com duas mães | Foto: Arquivo pessoal

Contra visões tidas como conservadoras, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ampliou o conceito de “família”. Na quarta-feira (13), a Suprema Corte reconheceu a licença-maternidade para mães não gestantes em relações homoafetivas em união estável. Caso uma das mulheres já tenha direito a licença-maternidade, para evitar que as duas mulheres tenham os 120 dias de licença para cuidar da criança, o período da mãe não gestante foi equiparado ao da licença-paternidade.

O caso se refere à ação de uma servidora municipal de São Bernardo do Campo (SP). Ela pediu direito à licença-maternidade após a companheira dela, uma profissional autônoma, engravidar através de um processo de inseminação artificial heteróloga – ou seja, quando a gestante engravida com o óvulo da mãe não gestante. Apesar de ter confirmado a gravidez da companheira, a servidora teve seu direito à licença-maternidade negado pela administração pública, que alegou falta de previsão legal. Ela acionou a Suprema Corte após o caso, que julgou o processo em âmbito nacional.

O relator do processo, ministro Luiz Fux, destacou que embora as mães não gestantes não tenham as alterações físicas geradas pela gravidez, elas precisam arcar com as responsabilidades e atribuições de um núcleo familiar.

“Revela-se um dever do Estado assegurar especial proteção ao vínculo maternal, independentemente da origem da filiação ou da configuração familiar", afirmou o ministro.

Para Fux, o reconhecimento do direito tem efeito na proteção da criança, que não escolhe a família onde irá nascer, e também na proteção à mãe não gestante em união homoafetiva, que estava "escanteada por uma legislação omissa e preconceituosa".

A decisão do STF será válida para casos de servidoras públicas e trabalhadoras da iniciativa privada que estiverem na mesma situação do caso analisado. Para os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, a licença-maternidade completa deveria ser concedida para ambas as mães, independentemente se ambas terão o direito. Porém, eles perderam nos votos dos demais magistrados.

Maternidade

A reportagem conversou com a fotojornalista Naiara Demarco, casada com a antropóloga Janaína Fernandes e mãe dos adolescentes Gabriel e Guilherme. As duas se conheceram quando Janaína estava no processo de adoção dos irmãos quando eles eram crianças. Naiara e as crianças entraram ao mesmo tempo na vida de Janaína e os quatro se tornaram uma família inseparável. Neste ano, eles completam 14 e 13 anos de idade.

Apesar de não terem realizado métodos de fertilização in vitro ou inseminação artificial, Naiara destaca a importância do poder Judiciário reconhecer os direitos de famílias que fogem ao conceito tradicional.

“Famílias como a minha existem e devem ter seus direitos assegurados pelo Estado, assim como qualquer outro tipo de construção familiar”, reforçou Naiara à reportagem.

Ao Correio da Manhã, a advogada trabalhista da Ferraz dos Passos Advocacia Nadine Tuane Henn, destacou que “a posição do STF reconhece a importância da maternidade para a sociedade como um todo”.

“Além disso, ela rompe a lógica de que, mesmo em relacionamentos homoafetivos, apenas uma das mães será responsável pela maternidade”, destacou a advogada.

“No julgamento, o ministro relator também ressaltou a importância de garantir à criança a fruição completa da companhia e dos cuidados maternos, os quais são fundamentais para o desenvolvimento do ser humano”, reforçou.

A fotojornalista Naiara ainda destacou que o conceito de “ser mãe” vai muito além do que ditam papéis de gênero tradicionais. “Ser mãe é construir um indivíduo para a sociedade. Ser mãe envolve um grande compromisso emocional que muitas vezes tomamos sozinhas”, disse.

“É sobre criar um ambiente amoroso e seguro, dar apoio emocional e ensinar valores, e o ‘Ser mãe’ pode ser realizado por pessoas de diferentes identidades de gênero e orientações sexuais. Porque ser mãe é sobre amar, apoiar o potencial daquela criança, independentemente da estrutura familiar em que ela nasce”, completou.

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