Por: Cláudio Magnavita*

PDP foi utilizado em parceira da EMS com o doleiro Alberto Youssef

Contrato previa a produção conjunta de Viagra entre EMS e laboratório do doleiro | Foto: IStock

O ministro era Padilha. O então Vice Presidente da Câmara André Vargas atuou no negócio bilionário descrito em relatório da Polícia Federal em 2014

A utilização das Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) para negócios milionários ganhou manchete em abril de 2014 quando mensagens interceptadas pela Polícia Federal mostram que o então vice-presidente da Câmara dos Deputados, André Vargas (PT-PR), e o doleiro Alberto Youssef atuaram em parceria para tentar viabilizar a assinatura de um contrato entre uma empresa de Youssef e o Ministério da Saúde. Em diálogo descrito em relatório da PF, em 19 de setembro de 2013, Youssef chega a dizer a Vargas que o negócio junto ao ministério garantiria a "independência financeira" de ambos. As informações estão em matéria publicada na época pela revista "Veja".

A parceria envolvia a farmacêutica EMS , de Carlos Sanchez, e o laboratório Labogen, pertencente ao doleiro, que tentava assinar com o Ministério da Saúde para fornecer medicamentos pelo sistema de PDPs. Pela parceria, com a promessa de transferência de tecnologia, seria possível praticar preços acima do mercado. Como tem estrutura pequena, para conseguir firmar o contrato com o governo, a firma precisaria se associar à EMS, empresa farmacêutica especializada na produção de medicamentos genéricos, de acordo com o que a revista Veja publicou.

Na conversa Vargas diz ao doleiro ter encontrado um integrante da Labogen, Pedro Argese, que o teria informado sobre a proximidade de conclusão da parceria com a EMS.

“Mais fortes”

"Estamos mais fortes agora. Vi o documento com o Pedro. Ele estava no voo de volta de Brasília", escreveu Vargas, mencionando documento de parceria com a EMS da família Sanchez.

Youssef respondeu Vargas: "Cara, estou trabalhando, fica tranquilo, acredite em mim. Você vai ver quanto isso vai valer tua independência financeira e nossa também, é claro."

Também segundo a agência o Globo, no dia seguinte, 20 de setembro de 2013, Youssef teria enviado uma nova mensagem ao deputado petista, relatando dificuldades para manter os negócios do grupo.

"Estou enforcado. Preciso de ajuda para captar... Tô no limite", escreveu.

Na mesma conversa, Vargas respondeu: "Vou atuar."

Segundo a Veja , no mesmo dia, técnicos do Ministério da Saúde foram destacados para certificar a Labogen, informação confirmada por Youssef em nova mensagem para Vargas.

Viagra

O contrato do ministério com Labogen e EMS chegou a ser assinado, tendo como objeto a produção de comprimidos de cloridrato de sildenafila (o Viagra), indicado no tratamento de hipertensão pulmonar. O mesmo produto que colocou a EMS em evidência anos depois em contrato superfaturado com a Marinha no governo Jair Bolsonaro.

Depois da denúncia pela imprensa, quando as suspeitas levantadas pelas investigações da PF vieram à tona, o Ministério da Saúde, na gestão de Alexandre Padilha, informou que o contrato seria cancelado. Nenhum pagamento teria sido realizado para as empresas, de acordo com o órgão, que abriu sindicância para apurar o envolvimento do diretor de inovação da pasta, Eduardo Jorge Oliveira, no episódio relatado. Hoje, dois ex-secretários nacionais da época de Padilha voltaram a atuar no Ministério.

Apesar do escândalo, a EMS continuou a ser farmacêutica que utiliza o PDP para venda sem licitação e com valores mais altos ao Ministério da Saúde. O TCU fechou esta torneira de negócios nebulosos que ultrapassam R$ 26 bilhões.

*Diretor de Redação do Correio da Manhã

Parcerias da Saúde eram caixa-preta de R$ 26 bilhões

Decisão de Zymler é exemplar ao exigir transparência para parcerias com farmacêuticas | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Na decisão que constatou irregularidades e suspendeu o programa Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) do Ministério da Saúde, o Tribunal de Constas da União (TCU) esclareceu que o motivo principal da resolução foi a falta de critérios de transparência nas parcerias firmadas entre a pasta da Saúde, os laboratórios públicos e as grandes empresas farmacêuticas, como a SEM e outras. Falta de transparência que pode ter levado a sobrepreços e prejuízos aos cofres públicos. Enquanto aconteceram, as PDPs somaram R$ 26 bilhões.

A falta de transparência, segundo a decisão de suspensão do ministro do Tribunal Benjamin Zymler, está, por exemplo, na alteração posterior dos percentuais de demanda previamente definidos em processos seletivos anteriores para determinado produto. Ou seja, ao fazer as alterações sem novo processo seletivo, a Corte de Contas constatou sobrepreço nos produtos repassados ao ministério. Os valores estariam acima do mercado por conta da transferência de tecnologia — conhecimento técnico, ou tecnologia que são passados de uma organização para outra — nesse caso de um laboratório para o outro. Peso, porém, para o bolso do consumidor. Que poderia ser justificado por algum desenvolvimento para o país se muitas vezes a transferência de tecnologia não durasse décadas em um mercado com evolução científica e tecnológica muito rápida. Ou seja, quando a transferência de tecnologia se conclui, muitas vezes o medicamento ou qualquer outro produto desenvolvido acaba obsoleto.

O problema maior, conforme a decisão de Zylmer é que o adicional de preço pela transferência de tecnologia já havia no valor original, o que não justifica, portanto alterações posteriores. A decisão estabelece, então, que a Pasta da Saúde, esclareça as alterações nos percentuais já definido nos projetos aprovados anteriormente. “Uma vez que os preços ali estabelecidos já consideram não apenas os custos dos produtos produzidos, mas também o aporte tecnológico associado à internalização”, descreve o ministro na decisão.

Além disso, o TCU também definiu que, nesses casos, quando houver publicação anual da Lista de Produtos Estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS), produtos produzidos entre aqueles que já foram objetos de PDP, que foram objeto de alteração nos percentuais de demanda definidos originalmente, tais alterações constem nos documentos.

Transferência

O segundo problema está em como justificar aumento do preço baseado na transferência de tecnologia diante do longo prazo estabelecido nas parcerias. Nos acordos para a eventual colaboração entre os laboratórios públicos e as farmacêuticas, estão estabelecidos prazos que variam de 10 a 20 anos. Durante esses período, o ministério estará comprando os medicamentos acima do valor de mercado.
São quase duas década se compra acima do valor de mercado. Quando a tecnologia é finalmente transferida, o produto já estaria obsoleto e outros mais modernos já teriam sido produzidos e oferecidos ao mercado.

Bionovis

Os valores mais caros dos produtos médicos produzidos e vendidos à Pasta da Saúde, estão relacionados com os medicamentos biológicos. Quase que, ao mesmo tempo que foi criado o programa da PDPs no ministério, em abril de 2012, uma nova empresa aparecia no horizonte: a Companhia Brasileira de Biotecnologia Farmacêutica (Bionovis).

A empresa de biotecnologia farmacêutica, é 100% brasileira. Formada pelos principais laboratórios nacionais: Aché, EMS, Hypera Pharma e União Química. Por descrição própria, ela seria a pioneira na produção de medicamentos biológicos de alta complexidade no país.

“A partir de parcerias com líderes mundiais do setor e alguns dos principais laboratórios públicos nacionais, cuidadosamente selecionados, recebemos tecnologia completa para a produção de biofármacos inovadores, biossimilares e biobetters”, descreve a farmaceutica em seu site.

Ainda segundo a própria descrição, atualmente, produtos desenvolvidos pela Bionovis estão em processo de transferência de tecnologia e já fornecidos para o Ministério da Saúde, “ampliando o acesso a tratamentos de qualidade em todas as regiões do país”. Ainda na descrição da empresa: “Trata-se de um importante marco para a consolidação do mercado de biotecnologia farmacêutica no Brasil”. Para uma fonte ouvida pelo Correio da Manhã, não será coincidência a criação da Bionovis coincidir exatamente com a criação das PDPs.

Decisão

A decisão de suspender o programa veio após a Corte de Contas constatar que os laboratórios envolvidos com o projeto estariam pressionando o governo, por meio da pasta da Saúde, para a aquisição de medicamentos acima do valor, para obter lucros milionários nessa ação. A falta de clareza nos critérios, na avaliação do ministro, poderia levar a esse risco.

Laboratório públicos fazem parte das parcerias, como o da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Butantan, a Fundação Baiana de Pesquisa Científica e Desenvolvimento Tecnológico, Fornecimento e Distribuição de Medicamentos (Bahia farma) — vinculada à Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), e a Fundação para o Remédio Popular (FURP). Pelo lado das empresas, laboratórios como a EMS e outros.

O programa tem o objetivo de desenvolvimento de medicamentos adquiridos e distribuídos pelo SUS. Entretanto, após verificar as irregularidades, o tribunal decidiu que novas parcerias só deveriam ser firmadas após a definição de mecanismos objetivos para avaliar a conclusão, eficácia e a transferência dos acordos.

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