Por: Leandra Lima

92 anos da conquista do voto feminino no Brasil

Marielle é lembrada como potência na luta por justiça social para as mulheres | Foto: Reprodução/Redes Socias Marielle Franco

No sábado, 24 de fevereiro, é comemorado o dia da conquista do voto feminino no Brasil. A homenagem marca a data da aprovação do Código Eleitoral de 1932, que garantiu em lei nacional o direito de voto às mulheres, assinado pelo presidente Getúlio Vargas. Antes desse fato, a política em geral era legalmente dirigida por homens. Documentos guardados no arquivo do Senado Federal mostram que os homens retardaram ao máximo a inclusão feminina na vida política, segundo a Agência Senado, desde das primeiras discussões parlamentares à histórica canetada de Vargas, passaram-se quase 40 anos.

Nos arquivos é possível observar que entre as discussões do assunto na época, o corpo político masculino expressou seus pensamentos estigmáticos sobre o ser mulher. Em uma fala o deputado Pedro Américo (PE) disse: "A observação dos fenômenos afetivos, fisiológicos, psicológicos, sociais e morais me persuade que a missão da mulher é mais doméstica do que pública, mais moral do que política. A mulher normal e típica não é a que vai ao foro, à praça pública nem às assembleias políticas defender os direitos da coletividade, mas a que fica no lar doméstico exercendo as virtudes femininas, base da tranquilidade da família e, por consequência, da felicidade social". Na mesma ocasião o deputado Lauro Sodré (PA) evidenciou que mesmo se fosse aprovado tal projeto nada mudaria na prática: "É incontestável que, no momento em que nós formos abrir à mulher o campo da política, ela terá necessariamente de ceder diante da superioridade do nosso sexo nesse terreno", disse.

Os estigmas criados mostram que desde séculos passados as mulheres são negligenciadas pelo sistema, foram ensinadas a satisfazer o patriarcado ignorando as suas próprias vontades e desejos. Todo esse sufocamento criado pela estrutura patriarcal gera uma série de problemas relacionados à violência contra os corpos femininos em diversas camadas sociais. No Brasil, uma pesquisa feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) aponta que 84,45% da população tem preconceito contra o gênero feminino, a análise destacou a dimensão de violências sofridas por meninas e mulheres nos meios político, educacional, econômico, e de integridade física. No cenário político 39,9% dos brasileiros têm preconceito contra uma mulher, o que reflete na baixa quantidade de parlamentares femininas em cargos de presidência e outras funções de poder dentro da política nacional e regional. Estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostram que na última eleição existiam 34% de candidatas a cargos eleitorais contra 66% de candidatos, sendo que 18% da parcela feminina foram eleitas e 82% dos candidatos masculinos também. Os dados esclarecem ainda que há uma desproporção no número de reeleitos, 86% dos estadistas homens se reelegeram enquanto 12% das mulheres conseguiram o feito. O TSE ressalta ainda que o número de eleitoras supera os eleitores, sendo 53% e 48% respectivamente, porém o campo continua sendo dominado por homens.

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A revista brasileira O Malho (1902 -1954) por meio de crônicas e charges usava o humor e a ironia para desmoralizar e ridicularizar o feminismo | Foto: O Malho/Biblioteca Nacional Digital

Política municipal

Esse contexto reflete diretamente na política brasileira. Regionalizando, existem exemplos claros que o cenário político é dominado por grupos masculinos. Em Petrópolis, atualmente na Câmara Municipal de Vereadores, somente 2 mulheres atuam na política, sendo que o quadro geral de parlamentares soma 15 no total, ou seja, 13 homens e 2 mulheres. Em Três Rios a situação é similar, em 2020, após 70 anos, foram eleitas 4 mulheres para integrar o quadro de vereadores municipais, no total são 15 vereadores, ou seja, 11 homens e 4 mulheres.

A vereadora Julia Casamasso (Psol) da Coletiva Feminista Popular de Petrópolis pondera sobre a construção das ideologias sociais que excluem mulheres. "Não tem nem um século que as mulheres conquistaram o direito de voto, é muito pouco tempo, mas se olharmos para a história da humanidade, elas sempre estiveram presentes na consolidação e nas dinâmicas de todas as sociedades, nós mulheres somos igualmente importantes para o andamento da vida humana, quem cuida dos seres humanos são as mulheres. Atualmente precisamos avançar e garantir que mais mulheres estejam nesse espaço de poder onde se pensa política públicas para as mesmas, mas também precisamos assegurar que elas se sintam seguras e confortáveis nesse espaço, por que a política envolve muitas camadas violentas, por isso precisamos ampliar esse assunto e pensar em colocar cada vez mais mulheres comprometidas com a causa", disse.

A parlamentar ressalta que as mulheres não participam da política em cargos de poder porque precisam cuidar de toda uma vida, o trabalho de reprodução, de cuidado, o doméstico entre outras cargas que uma mulher tem dentro da sociedade, fazendo com que elas se afastem desse lugar.

"Ser mulher na política é muito difícil, já sofremos violências diárias e dentro do corpo político não é diferente, precisamos ter muito cuidado com o que falamos e como agimos, somos julgadas pelos nossos companheiros parlamentares, por isso é complicado seduzir as mulheres para esse meio. Eu percebo que os homens se sentem incomodados com a presença feminina na plenária, assim reproduzem o machismo de forma sútil, porém é uma violência que marca diariamente a caminhada", fala.

Pavimentar a jornada

Júlia continua dizendo que o caminho é ter mais mulheres no fronte para pavimentar a jornada para as outras que vierem. "Temos exemplos atuais de força política feminina, Marielle Franco, por mais que tenha sido cancelada, sua voz ecoa e o luto pela sua morte vira resistência e com isso seguimos fazendo política como ela, pensando nas camadas sociais que mais precisam de políticas públicas e levando seu legado da luta pelos Direitos Humanos no país".

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Marielle Franco foi socióloga, política e feminista, assassinada no dia 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro | Foto: Reprodução/Redes Socias Marielle Franco

Marielle foi uma socióloga, política, feminista que desenvolveu diversos projetos para o combate à violência contra as mulheres e luta racial. Suas ideias ainda ressoam no território, uma de suas famosas frases representa o que Júlia mencionou sobre a importância de se construir espaços pensados para o feminino. "O que é ser mulher? O que cada uma de nós já deixou de fazer ou fez com algum nível de dificuldade pela identidade de gênero, pelo fato de ser mulher? A pergunta não é retórica, ela é objetiva, é para refletirmos no dia a dia, no passo a passo de todas as mulheres, no conjunto da maioria da população, como se costuma falar, que infelizmente é subrepresentada", Marielle Franco.