Por: Rudolfo Lago

60 anos da ditadura militar serão relembrados em vários eventos

Manifestação estudantil contra a Ditadura Militar em Abril de 1968, na região central do Rio de Janeiro. Foto publicada no Correio da Manhã | Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Em diversos locais do mundo, memoriais lembram às novas gerações os horrores do Holocausto, o terrível genocídio do povo judeu pelos nazistas na Alemanha e nos países que Adolf Hitler invadiu. Choca, por exemplo, saber que prisioneiros dos nazistas foram incinerados em fornos no campo de Birkenau, ou Auschwitz, na Polônia. Pois o mesmo aconteceu no Brasil, com vítimas da ditadura militar.

Investigações apontam que pelo menos 20 prisioneiros da ditadura militar teriam sido mandados da “Casa da Morte”, em Petrópolis, para a Usina Cambahyba, na cidade de Campos de Goytagazes, no Rio de Janeiro. Nos fornos dessa antiga usina de açúcar, tais homens teriam sido incinerados.

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Manifestação_estudantil_contra_a_Ditadura_Militar em Abril de 1968. Foto publicada no Correio da Manhã. | Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Hoje, a antiga usina já não existe mais. Está em ruínas. A área onde ela funcionava foi desapropriada para fins de reforma agrária, e ali há hoje um assentamento rural. A intenção agora é transformá-lo, como acontece com os campos de concentração nazistas na Europa, num memorial da ditadura militar. O evento de criação desse memorial é uma das ações que estão sendo planejadas para lembrar os 60 anos do golpe militar de 1964 e os 40 anos do fim da ditadura militar brasileira em 1984.

O Correio da Manhã conversou com exclusividade com o assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda. O próprio Nilmário foi preso e torturado na ditadura. Ele atuou na Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), e foi preso em São Paulo, e torturado nas dependências do antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Por conta das torturas que sofreu, Nilmário, jornalista de formação, perdeu a audição do ouvido direito. Ele é o responsável pela organização dos eventos que marcarão as efemérides sobre os anos de regime militar.

Correio da Manhã

Segundo Nilmário, o Correio da Manhã será parte capítulo importante dessas lembranças. Então comandado por Niomar Bittencourt, o jornal fez oposição ao regime quando percebeu que a intenção era se perpetuar como ditadura. Niomar chegou a ser presa, e os militares trataram de inviabilizar financeiramente o jornal, que era então um dos mais importantes do país. O Correio deixou de circular em 1974. Retornou em 2019, quando Claudio Magnavita comprou o título da família Bittencourt. Inicialmente semanal, o jornal tornou-se depois diário e hoje é parte de um conjunto de seis jornais. Em outubro do ano passado, começou a circular em Brasília a edição nacional do Correio da Manhã, impressa e produzida em Brasília. Segundo Magnavita, é a retomada da vocação do Correio de jornal da capital. Essa história será contada entre os eventos.

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Capa do Correio da Manhã de 2 de abril de 1968 | Foto: Reprodução

“A história dos jornais e jornalistas que tiveram a coragem de combater a ditadura é parte importante dessa memória que precisa ser resgatada para as novas gerações”, disse Nilmário. “Assim como também a de advogados, religiosos e lideranças políticas, entre outros setores”. Segundo Nilmário, tudo isso fará parte da série de eventos que estão sendo programados, tanto em Brasília como em diversas outras localidades onde a história da ditadura e do combate a ele aconteceram.

Segundo Nilmário, do dia 31 de março até o final do primeiro semestre, os eventos acontecerão. Um ponto central será o Museu da República, transformado em Museu da Democracia para abrigar exposições sobre o tema.

Marcha reversa

O dia 31 de março, data do golpe, quando o general Olímpio Mourão Filho moveu as tropas da 4a Divisão de Infantaria de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro, irá cair no domingo de Páscoa. Nesse dia, acontecerá em São Paulo a Caminhada do Silêncio, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. A caminhada já aconteceu em outros anos.

Assim, os eventos do governo se iniciarão de fato no dia 1o de abril, uma segunda-feira. Nesse dia, haverá um ato no Museu da Democracia, na Esplanada dos Ministérios.

Está prevista também para essa semana o que está sendo batizado de “Marcha Reversa”. A ideia é inverter o que fez o general Mourão em 1964. Grupos sairão do Rio de Janeiro rumo a Juiz de Fora, onde, ao final, serão recebidos pela prefeita do município, Margarida Salomão, do PT. Nomes ligados à data, como os familiares do ex-presidente João Goulart, deposto em 1964, confirmaram presença na marcha.

Casa da Morte

Segundo Nilmário, o governo vem trabalhando para conseguir desapropriar a “Casa da Morte”, em Petrópolis. A casa era um centro clandestino de prisão e execução de adversários do regime militar. De lá é que teriam sido levados aqueles que foram incinerados na Usina Cambahyba. A casa é propriedade privada. A ideia é conseguir desapropriá-la para também transformar em um memorial.

O mesmo busca-se fazer com outros locais importantes na história da repressão política brasileira. Como as sedes do Dops e dos Doi-Codis (Departamentos de Operações de informação – Centro de Operações de Defesa Interna) no Rio e em São Paulo.

Livros

Também estão sendo produzidos livros contando a história da ditadura. Um deles terá 60 artigos da autoria de 60 diferentes autores cuja história se mistura ao golpe e à ditadura.

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Golpe de 1964 completa 60 anos | Foto: Arquivo nacional

E o próprio Nilmário vem produzindo um livro, em parceria com Carlos Tibúrcio e Hamilton Pereira da Silva, jornalista e poeta com o pseudônimo de Pedro Tierra. O livro retomará outro trabalho de Hamilton com Tibúrcio, intitulado “Dos Filhos deste Solo”. Lançado pela Fundação Perseu Abramo do PT com a editora Boitempo, o livro tem 656 páginas contando histórias de vítimas da ditadura. “Não queremos agora repetir livro tão grande. Mas contar tais histórias para as novas gerações. É importante que a história da ditadura não seja esquecida para que não seja repetida”, disse Nilmário ao Correio.

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