Por: Gabriela Gallo

"Hanseníase tem que ser discutida além do janeiro roxo"

Caso levou ao isolamento total de cinco bairros de Maceió | Foto: Caio Loureiro/ TJAL

No início do mês, o Correio da Manhã informou sobre o Janeiro Branco, campanha de saúde voltada para os cuidados com a saúde mental. Mas em janeiro também acontece outra campanha de saúde: Janeiro Roxo. Essa campanha é destinada para a prevenção e tratamento da hanseníase, doença que ainda carrega diversos preconceitos.

A campanha é importante para alertar um aumento, no último ano, do número de casos da doença no Brasil. De acordo com o Painel de Monitoramento de Indicadores da Hanseníase, do Ministério da Saúde, o Brasil registrou um total de 19.219 novos casos de hanseníase entre janeiro e novembro de 2023. O número representa um aumento de 5% nos casos em comparação ao mesmo período de 2022. Vale destacar que o número pode ser ainda maior, já que diversos casos não são notificados.

Até 1986, o Brasil adotava a política de isolamento compulsório de pessoas atingidas pela hanseníase, visando controlar a doença. A lei da época determinava o afastamento compulsório e imediato de todos os filhos das pessoas atingidas, inclusive recém-nascidos que nunca conheceram os pais isolados.

Em novembro de 2023, o governo federal sancionou uma Lei que concede pensão especial de um salário mínimo (atualmente em R$ 1.412) aos filhos de pessoas com hanseníase que foram separados dos pais devido à política de isolamento compulsório dos doentes.

Em entrevista ao Correio da Manhã, o médico infectologista e Consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, Rodrigo Molina, destacou que atualmente “não se fala mais nesse isolamento do paciente com hanseníase” e que a pessoa diagnosticada segue a vida normalmente.

Contágio

A Hanseníase é uma doença transmitida pela bactéria respiratória Mycobacterium leprae. A doença, transmitida por outra pessoa infectada, tem um crescimento lento. Portanto, muitas pessoas podem passar anos com hanseníase, sem saberem que estão infectadas por não apresentarem sintomas.

“É importante frisar que na transmissão é necessário um contato íntimo e prolongado, então um contato único com uma pessoa com hanseníase não transmite a doença. É preciso contatos seguidos, repetidos, por isso que às vezes elas ocorriam em uma mesma família e entre pessoas que dormiam no mesmo quarto”, destacou o infectologista.

Os principais sintomas da doença são manchas na pele, com uma leve mudança de cor. A forma mais leve, nomeada “tuberculoide”, é marcada por uma ou mais manchas na pele acompanhadas da perda de sensibilidade no local da mancha. Outras formas mais graves são manchas com alteração de cor da pele e alteração do relevo, seguidas de queda de cabelo, perda da sobrancelha ou até o surgimento de nódulos no corpo.

Esse foi o caso da professora aposentada e vice coordenadora do Movimento de Reintegração dos Acometidos pela Hanseníase (MORHAN), Leonice Siqueira, de 57 anos. Em entrevista exclusiva ao Correio da Manhã, ela contou que começou seu tratamento no início de 2013, mas já convivia com a doença há pelo menos oito anos antes de ser diagnosticada. “Eu fui aquela paciente que não teve mancha. Eu tinha só a hanseníase neural, que só atingiu os nervos. Então demorou mais tempo para ser diagnosticada, eu já estava no período muito elevado da doença”, contou Leonice à reportagem.

“Eu comecei o tratamento e eu tive muitas reações, que só pioraram porque [o tipo de hanseníase] que eu tive foi aquela que nasce nódulos pelo corpo. Como eu estava com muitos bacilos no corpo então elas vieram muito à tona, apareceram muitos nódulos, muitos caroços, eu fiquei muito ruim. Inclusive eu fui internada várias vezes”, relatou.

Preconceito

Atualmente Leonice está curada da doença, mas não foi fácil. Natural de Mato Grosso, estado com maior concentração da doença no país, ela contou que desenvolveu depressão no começo do tratamento, por medo da carga de preconceito que a doença carrega.

“Eu me isolei de todo mundo, não foram as pessoas que se afastaram de mim. Eu não queria ver ninguém, eu não falava para ninguém que eu tinha hanseníase com medo das pessoas não quererem falar comigo e me abandonarem. Era pura ignorância, por falta de conhecimento. Quando você não conhece e não domina a situação, você acha que é um bicho de sete cabeças e não é assim a hanseníase. É uma doença comum que tem tratamento e tem cura, mas até você chegar nesse estágio, até você chegar nessa consciência você já sofreu muito”, destacou a professora aposentada.

O infectologista Rodrigo Molina reforçou que um mito que persegue as pessoas com hanseníase é a falsa impressão de que as pessoas vão perdendo partes do corpo à medida que a doença avança. “Como a hanseníase tem a perda da sensibilidade, as pessoas se machucavam, não sentiam e por isso que tinha essas deformações e perdas de dedo, por exemplo. Hoje a gente quase não vê mais esse tipo de manifestação, mas é uma doença que é negligenciada”, informou o especialista.

Tratamento

A hanseníase é uma doença curável que tem o tratamento. Após ser feito o diagnóstico da doença podem ser realizados dois tipos de tratamentos, que variam dependendo da forma clínica. Ambos são tratamentos com três medicamentos num período de seis meses até nove meses. O paciente realiza o tratamento supervisionado no dia da consulta médica mensal e depois o toma o remédio durante o restante dos dias daquele mês. Toda a medicação para a Hanseníase é fornecida pelo Ministério da Saúde e o paciente precisa ser acompanhado mensalmente.

O infectologista ainda destacou que “a principal prevenção para hanseníase é o diagnóstico e o tratamento precoce”. “É necessário identificar as pessoas que têm hanseníase, instituir tratamento para elas e fazer a busca de membros da família ou filhos para investigar se eles têm algum sintoma de hanseníase para que também seja feito o diagnóstico o mais rápido possível”, reiterou o médico.

“Se você tiver qualquer sintoma, procure um posto de saúde ou ajuda médica. Não se apavore! É uma doença comum que tem tratamento e tem cura”, enfatizou Leonice Siqueira.

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