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O Brasil e a República que não se consolida de fato

Imagem da capa do livro, emblemática por ter a elite brasileira e os militares | Foto: Divulgação

Por Marcelo Perillier

Este ano ficará marcado na historiografia como aquele em que perdemos o grande mestre José Murilo de Carvalho. Porém, suas obras e pensamentos o deixaram imortal, com trocadilhos, já que era membro da Academia Brasileira de Letras. Dentre seus livros, o clássico "Os Bestializados" marca o período do qual celebramos este feriado de 15 de novembro: a República. O Brasil, em 1889, deixou de lado o estilo político imperial e passou a ser republicano. Todavia, a chamada "res-pública", que, numa tradução livre do latim, significa "coisa pública ou popular", não seguiu e nem segue tanto assim ao pé da letra seu significado.

Império x República

Há 134 anos, vários acontecimentos influenciaram o declínio do prestígio da família imperial na elite e em alguns setores da alta sociedade brasileira. Três deles, por sinal, foram arrebatadores, por ferirem exatamente os pilares de sustentação do império.

O primeiro deles foi a Igreja, que, ao exercer o direito de negar uma bula papal, Dom Pedro II pôs em xeque sua relação política e diplomática com os membros do clero, que passaram a defender uma mudança no regime político brasileiro.

O segundo, os fazendeiros e coronéis, começaram a fazer uma forte oposição ao imperador depois que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, abolindo de vez a escravidão no país, após várias leis postergando o ato e esticando ao corda ao máximo — o Brasil foi um dos últimos da América a abolir a escravidão no território, depois de pressões inglesas, em especial.

O terceiro, e crucial para a derrocada, foi o setor militar que, desde a Guerra do Paraguai (1894-1870), vinha tendo desgastes com o imperador, uma vez que foi ao front sem condições mínimas de combate, mas, mesmo assim, defendeu a pátria brasileira contra Solano Lopez e a ideia do "Grande Paraguai" na Bacia do Prata.

Os militares, apoiados pelos outros dois setores da sociedade, juntamente com as ideias positivistas de Augusto Comte (ordem, paz, progresso e amor), foram os articuladores de um golpe que culminou na mudança do regime político brasileiro, através de um golpe, tirando a família do poder e instalando uma república no país. Em razão disso, o 15 de novembro, data do acontecimento, é o feriado da proclamação. Contudo, se para a elite a mudança ideológica era perfeita, para o povo, ficou na mesma.

Os Bestializados

Por vários fatores José Murilo de Carvalho disse que o povo foi besta — e ainda continua sendo. O principal deles é a falta de voz ou a pequenez em se conter com o pouco que o governo oferece. Numa res-pública, a população necessita e deve cobrar pelo seu melhor, por condições de vida exemplares e por serviços de qualidade. No Brasil, porém, isso não acontece de fato.

Nos raros momentos em que houve revoltas e manifestações populares sérias e que angariassem grande parte dos brasileiros, as medidas foram atendidas. Mesmo assim, não para todos, e sim para uma pequena parcela, deixando o povo ainda à margem da sociedade.

O livro, em sua narrativa e linha de pensamento, toca exatamente neste ponto, o de como as elites e os poderosos conseguem administrar bem a sua soberania, deixando a população brasileira, de modo geral, análoga ao conhecimento e submissa aos caprichos dos comandantes.

Seja do voto de cabresto ao Bolsa Família, o povo que mais necessita de apoio para crescer continua na mesma: besta, como diria José Murilo. Tanto que, a conclusão a qual chega no livro é de que a "república consolidou-se sobre o mínimo de participação eleitoral, sobre a exclusão do envolvimento popular no governo".

Ou seja, para a maioria da população, ter poder e voz era algo distante — e ainda continua, mesmo com o poder do voto, mas ele não é exercido de forma eficaz e eficiente, pois a soberania política reina na ideologia dos menos favorecidos, a grande parte da população — os bestializados.

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