Por: Rudolfo Lago

Esquema foi desvendado pela imprensa

Ibsen Pinheiro morreu no ano de 2020 aos 84 anos, em Porto Alegre | Foto: Edu Andrade/Folhapress

O termo “anões do orçamento” não foi criado pela imprensa. Por ter sido o primeiro a usá-lo, numa reportagem de O Globo, onde então trabalhava, eu até poderia ajudar a propagar a mentira para ficar com os louros. Mas não é tarefa da imprensa esse tipo de criatividade. À imprensa cabe reportar o que vê e o que ouve. E assim foi com o esquema do orçamento.

Até então, o orçamento era uma matéria eminentemente coberta por jornalistas de economia. Ali, então, importava apenas saber quanto se previa de déficit ou superávit fiscal, quando estava previsto para o salário mínimo, etc. Um dia, faltou um repórter de economia para cobrir uma reunião da Comissão Mista de Orçamento. E chamou a atenção o imenso interesse que o tema despertava entre os parlamentares.

Tudo se inicia após a Constituição de 1988, que instituiu a possibilidade de deputados e senadores fazerem emendas ao orçamento. Até então, cabia ao Congresso apenas aprovar ou rejeitar a proposta orçamentária. Como seria uma imprudência, nunca houve uma rejeição. Após a Constituição, estabeleceu-se a possibilidade de os parlamentares proporem inclusões de verbas. Verba é poder e dinheiro. O olho dos políticos cresceu. Especialmente de um grupo que se tornou especialista no tema, que é complexo. Eles viraram referência, e qualquer deputado ou senador que quisesse aprovar algo no orçamento precisava falar com eles.

Como a maior parte desses parlamentares que comandavam o orçamento tinha baixa estatura e não eram tidos como figuras proeminentes, circulava nos corredores do Congresso o apelido para eles de “anões do orçamento”. Estamos no final dos anos 1980, que não eram tempos tão politicamente corretos como hoje. Ao reportar o que acontecia ali, somente repeti o termo que já circulava nos corredores do parlamento.

João Alves

O líder supremo do grupo era o ex-deputado baiano João Alves. O esquema envolvia principalmente parlamentares do então PFL, partido de Alves, e do PMDB. Neste último partido, havia dois outros deputados tidos como líderes: o também baiano Genebaldo Correia e o mineiro José Geraldo Ribeiro. Todos eram baixinhos.

A tarefa de João Alves era tão exclusivamente relatar o orçamento que ele só costumava aparecer no Congresso no final do segundo semestre, quando o tema começava a ser discutido. O que me fez uma vez relatá-lo como um fenômeno da primavera brasiliense, como as cigarras que em setembro começam a cantar anunciando o início das chuvas depois do período de seca no cerrado.

Propina com recibo

João Alves caiu da relatoria do orçamento depois de uma reportagem que fiz com Denise Rothenburg. Verificamos a existência de uma alta dotação orçamentária para um município da Bahia, chamado Serra Dourada.

Fomos a Serra Dourada. E constatamos que o dinheiro estava destinado à construção de um conjunto de casas populares que seria batizado de Vila João Alves. Mas as casas ali na situação em que estavam – ainda não totalmente construídas – não justificavam a dotação.

Questionamos os vereadores, que disseram que iam instalar uma CPI. Questionamos, então, o prefeito. Que tirou, então, da gaveta um maço de papeis e os mostrou para Denise. “Ah, eles vão fazer uma CPI? Estão lembrando disso?” Os papeis eram recibos, onde estava escrito: “Pagamento que me é feito pelo deputado João Alves em troca de apoio político”. A cópia de um dos recibos foi parar na capa do jornal.
Uma primeira tentativa de CPI foi, então pedida pelo então deputado Jaques Wagner (PT-BA). E acabou barrada. Somente um ano depois, quando foi assassinada pelo próprio marido Elizabeth Lofrano, mulher do principal assessor da Comissão de Orçamento, José Carlos Alves dos Santos, a CPI foi instalada. E todo o esquema veio à tona.

Descobriu-se que João Alves comprava bilhetes de loteria para lavar o dinheiro que desviava do esquema. João Alves, segundo a CPI, teria ganho 24 mil vezes na Sena, Loto e Loteca, as três modalidades de loteria que havia. “Deus me ajudou”, disse João Alves no depoimento à CPI.

A CPI investigou 37 deputados e senadores. Pediu a cassação de 18 deles. Quatro renunciaram antes do julgamento. Seis foram cassados. Entre eles, estava Ibsen Pinheiro.

No processo, ficou claro que o PFL teve mais capacidade de proteger os seus que o PMDB. Ninguém que tenha coberto o caso desde o início associava Ibsen ao esquema. A não ser por uma suspeita de que ele, como presidente da Câmara e líder importante do partido, pudesse saber do que havia. E porque tinha, de fato, amizade com Genebaldo Correia. Ao longo do tempo, nada ficou provado contra Ibsen. Que parece ter sido à época um boi de piranha.

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