Por: Gabriela Gallo

STF derruba tese do Marco Temporal

Indígenas assistem ao julgamento do Marco Temporal | Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o chamado Marco Temporal de demarcação de terras indígenas, nesta quinta-feira (21), por 9 votos contrários e 2 favoráveis. Apesar de a tese ter sido derrubada, o plenário da Corte volta a se reunir na próxima semana para alinhar pontos específicos que ficaram pendentes, como a sugestão do ministro Alexandre de Moraes de conceder uma indenização aos proprietários afetados pelas demarcações, que seriam ressarcidos pela União graças à perda da terra. Além disso, nessa sessão, o entendimento da Corte deverá ser aplicado em outros casos que tramitam na Justiça sobre demarcação de terras.

Ao Correio da Manhã, o advogado e analista político, Melillo Dinis, que defende na Corte interesses dos povos originários, destacou que a decisão do Supremo é “uma vitória da Constituição e dos direitos originários dos povos indígenas e tradicionais”. No entanto, ainda “há sobressaltos” e “ainda há que se entender melhor a modulação”.

Modulação

“Em nome da segurança jurídica, alguns ministros suscitaram a necessidade de conciliar os direitos dos indígenas com os de produtores rurais que adquiriram as terras regularmente e de boa-fé. Ele [Moraes] propôs que, se for reconhecida a ocupação tradicional sobre terras que tenham uma cadeia de domínio legítima, os proprietários não podem ser prejudicados. Nesses casos, a União deve ser responsabilizada e pagar indenização sobre o valor total dos imóveis, e não apenas sobre as benfeitorias”, enfatizou o advogado.

“A história desses povos é de violências e expulsões sofridas por essas populações. Como eram tuteladas pelo Estado, não tinham autonomia para acionar a Justiça até a promulgação da Constituição. Assim, do ponto de vista prático, além da modulação da decisão que se aguarda do STF, os direitos de outros sobre os territórios indígenas não poderão prosperar”, completou Dinis.

Votos

Os únicos ministros que votaram a favor da tese do Marco Temporal foram André Mendonça e Kassio Nunes Marques. Os ministros Luiz Fux e a presidente da Corte, Rosa Weber, destacaram o artigo 231 da Constituição Federal durante seus votos. O artigo reconhece que os povos indígenas têm “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

“Essas terras mencionadas na Constituição e que compõem o acervo de bens reconhecidos e garantidos juridicamente aos indígenas não podem ser, ao meu ver, desmembrados do conjunto de direitos fundamentais que lhes é constitucionalmente assegurado. Essa posse permanente que lhes é assegurada de natureza constitucional não se confunde com a posse civil”, disse a ministra Carmem Lúcia durante seu voto.

Congresso

Circula no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2903/2023 que também trata do Marco Temporal. O texto foi aprovado na Câmara e está previsto para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal na próxima quarta-feira (27). Inicialmente, o texto seria votado na última quarta-feira (20), mas parlamentares da base governista pediram vista coletiva, ou seja, mais tempo para análise.
Ao Correio da Manhã, o mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Volgane Carvalho, explicou que, caso o Congresso aprove o projeto de lei, “essa norma vai ter que ser submetida a uma análise de constitucionalidade” e “terá que ser confrontada com a decisão do STF”.

“O que a gente vai assistir é uma queda de braço para verificar quem tem a última palavra. O Parlamento pode achar que não há conflito e aprovar a norma. Mas essa norma vai poder ser objeto de novo controle de constitucionalidade pelo STF. Quem ajuizar uma ação, dizendo que a norma afronta a Constituição, vai ter muita facilidade para conseguir uma liminar, suspendendo os efeitos dessa lei, porque o STF já se manifestou sobre o assunto”, disse o advogado.

Ele relembrou que essa não é a primeira vez que decisões do STF tentam ser “revertidas ou desconstituídas por uma atuação parlamentar na prática”. Porém, como se trata de uma norma infraconstitucional, então seria uma lei. “E nesse caso a lei não tem esse condão de neutralizar a decisão do STF porque a decisão se baseia no texto da Constituição”, ele completou.