Por isso não provoque, é cor de rosa choque
Em conversa com o Correio da Manhã, psicóloga explica como trajetória da boneca Barbie empodera meninas
Por Gabriela Gallo
Na semana passada estreou em todos os cinemas do país o longa metragem Barbie, dirigido por Greta Gerwing. O filme conta a história da boneca mais famosa do mundo, mas por um ponto de vista diferente do habitual. Na história, Barbie (interpretada por Margot Robbie) vive em seu mundo mágico e perfeito, mas, devido a problemas que surgem, ela precisa vir para o mundo real em uma aventura. Chegando no nosso mundo, a boneca e seu namorado Ken (Ryan Gosling) percebem que a vida real não é tão bonita como eles imaginavam.
Mas o filme acaba por mostrar também que, além das roupas rosas e do glitter, a trajetória da boneca Barbie é conhecida por incentivar a independência feminina, a autossuficiência de garotas valorizando o feminino , ao reafirmar que qualquer garota "pode ser o que ela quiser".
"Você pode ser o
que você quiser"
Em conversa com o Correio da Manhã, a psicóloga Ana Striet disse que o famoso slogan da boneca Barbie "pode se associar com a questão da carreira". Desde sua criação, a boneca Barbie já teve mais de 200 profissões, com atividades que variam desde trabalhos físicos até aqueles unicamente intelectuais.
"A Barbie ela vem ao longo da sua história com muitos exemplos de carreiras diferentes, inclusive carreiras que são dominadas até hoje por homens. Uma menina muito pequena poder ver na loja de brinquedos ou na mídia a boneca tendo profissões diferentes. Isso faz com que essa possibilidade passe a existir para aquela criança. Isso nos possibilita esse mundo novo que, se a gente for pensar historicamente, para as mulheres ainda é muito recente", disse a psicóloga.
Parte dessa ambição vem da própria criadora da boneca, a empreendedora Ruth Handler, co-fundadora da Mattel Inc. Ela criou a boneca e a batizou em homenagem à sua própria filha, Bárbara.
Porém, ao longo dos anos a imagem da boneca foi associada a um padrão estético e comportamento inalcançável, sendo usada como referência para o padrão da "perfeição". Para Ana Streits, essa pressão estética se trata de "uma questão de gênero".
"Eu acredito que a gente possa avaliar, não só pela boneca em si, mas como o papel da mulher e as pressões que a gente vive como mulher. Sempre como se a gente tivesse que mostrar e provar o nosso valor. O filme abre espaço para podermos pensar as questões de gênero. A gente vai repetindo então padrão, se exigindo, buscando uma perfeição como se a perfeição fosse o mínimo de garantia do nosso valor, né?", disse a psicóloga.
Cor de Rosa-Choque
Nas primeiras semanas do filme nos cinemas do Brasil, a expectativa são shoppings e salas de cinema lotados com pessoas vestidas de rosa, em homenagem à boneca. E como diria Rita Lee: "Sexo frágil não foge à luta. Por isso não provoque, é cor-de-rosa choque".
"A gente ter uma visão de sociedade mais refinada é a gente integrar conceitos. Então, não tem essa de 'ela é feminina e é frágil', 'ela é feminina e não pode ser outra coisa'. Ela é feminina e ela pode ser forte, corajosa ou até mesmo vulnerável. É essa complexidade de pensamentos que a gente precisa ter e aprimorar cada um deles", enfatizou Ana Striel.
O que muitas pessoas não sabem é que o cor de rosa, tão associado com feminilidade e delicadeza, inicialmente era associado com uma "cor masculina". Historicamente, o azul é que era uma cor associada ao feminino e o rosa ao masculino. Em países católicos, a cor azul era associada a Virgem Maria, associada à maternidade e feminilidade.
As referências de "rosa para meninas" começaram a ser mais abundantes a partir do final da Segunda Guerra Mundial, na década de 1940. E, com a função do comércio e do marketing de moda e brinquedos, o rosa socialmente foi colocado para "meninas".
"Então, é importante a gente questionar como as coisas são impostas socialmente, como verdades são construídas e a gente vai assumindo aquilo ali como a única forma de interesse, mas nem sempre foi assim e não precisa ser assim pra sempre", disse a psicóloga.
Repercussão
No entanto, a obra não vem agradando telespectadores de um perfil conservador. A página de análise de filmes norte americana, Movie Guide, fez uma publicação sugerindo que pais não levassem seus filhos para ver o filme porque, nas palavras do site, "promove conteúdo LGBT ". O site se auto intitula como um guia cristão de filmes e entretenimento para toda a família.
E a tentativa de boicote ao filme também vem ao Brasil. A deputada estadual Alê Portela (PL-MG), que é evangélica, fez uma publicação em seu Instagram na última semana também enfatizando que os pais não levem seus filhos para o filme. A parlamentar criticou a obra e argumentou que se trata de uma "inversão de valores dos princípios familiares".
O filme tem classificação indicativa de 12 anos e seus trailers mostram momentos de assédio e questionamentos existenciais.
Na avaliação da psicóloga, "é inevitável que essa reação mais radical aconteça, porque o conservadorismo é essa forma de pensar nas questões sem uma mínima abertura à mudança possível".
"Então, a gente olha esse filme que traz essa inversão dos papéis [onde a mulher faz tudo e o homem está lá para apoiar sua parceira], e isso choca com a coerência interna das pessoas. Nossa coerência interna é como se fosse algo em que a nossa mente está ali constantemente trabalhando para que nunca mude", explicou a profissional.
Esse "gasto de energia" se refere ao processo de tentar desconstruir uma ideia que já está enraizada no inconsciente. Para a psicóloga, "ao invés de separar as coisas pra entender, a gente precisa integrar".
"Então não é 'a minha visão é certa e a sua é errada', é integrar pontos de vista diferentes para que todo mundo aprenda. Só que isso exige um respiro cognitivo e um gasto de energia", concluiu Ana.
Então, vá ao cinema e "seja tudo que você quiser".
