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Os mitos e as verdades da obra de Pedro Américo

Pedro Américo deu um tom mais nacionalista ao evento, que pouco teve a participação popular | Foto: Agência Brasil

Por Marcelo Perillier

Não se pode falar da emancipação do Brasil sem lembrar do lendário quadro de Pedro Américo "Grito do Ipiranga". No entanto, o que muitos não sabem é a origem deste símbolo. Afinal, o famoso grito de Dom Pedro I não foi executado junto com a guarda imperial, muito menos com toda a pompa que a pintura retrata. Até porque, ela foi encomendada anos depois do ato no rio — ou riacho — do Ipiranga, para ficar no museu de mesmo nome, em São Paulo, e o pintor teve que imaginar uma cena de esperança para uma nação recém criada, dando a ela toques nacionalistas, para dizer que todos estavam satisfeitos com o momento. Contudo, quais são os mitos e verdades do glorioso 7 de setembro de 1822?

De concreto mesmo, a independência aconteceu mesmo às margens do Ipiranga, mas não da forma como Américo retrata. Dom Pedro vinha de uma viagem à Minas Gerais e estava com uma pequena comitiva, algo em torno de 14 pessoas. Eles não estavam á cavalo, e sim com mulas, pois era o melhor meio de locomoção na Serra do Mar. A população também não estava na expectativa. Pelo contrário, poucos sabiam o que estava acontecendo e a emancipação do Brasil ajudaria mais a elite fundiária do que, de fato, as camadas mais populares, tanto que revoltas contra a independência surgiram no país, de norte a sul.

Além desses fatos, Dom Pedro não estava bem de saúde. Muitos historiadores, através de pesquisas, indicam que ele sofria de problemas intestinais quando recebeu a carta de independência, já assinada por Maria Leopoldina, outra entusiasta da criação da "Terra Brasilis". Outro fato bem sugestivo da história é o famoso grito "Independência ou Morte!". Não se sabe ao certo se ele aconteceu, diante do quadro instável de saúde do futuro imperador. Por isso, a única imagem verdadeira do quadro é o Ipiranga que, ainda sim, muitos acreditam que ele não estava tão volumoso quanto mostra a figura.

Aliás, alguns até comentam que o quadro é um plágio da Batalha de Friedland (1875), de Ernest Meissonier. Todavia, essa tela serviu foi de inspiração para dar o movimento dos cavalos e a plenitude do ato, como pode ser percebido em uma análise estética mais crítica.

Outro ponto de ilusão da pintura são as roupas dos cavaleiros da "tropa" que acompanhava o príncipe regente de Portugal. Os chamados "Dragões da Independência" só ganhariam esse nome no século XX e suas vestimentas, como mostra a figura, não eram daquele jeito. Soma-se a isto a questão que nem eles estavam presentes na comitiva do futuro imperador do Brasil.

A grande verdade é que o quadro foi, praticamente, um dos últimos atos de lealdade da família imperial ao país, já que, no ano seguinte à chegada da pintura, em 1889, a república seria instaurada no Brasil, sob a batuta do exército e com o positivismo em mente. Não por menos, os dizeres da bandeira nacional "Ordem, (paz) e progresso" são os mesmos da teoria de Augusto Comte — a palavra "paz" não está na bandeira, por "questões técnicas".

Entre os mitos e verdades do quadro, o que deve ser levado em conta mesmo é a causa principal da pintura. Depois de anos de progresso, a antiga colônia de Portugal não podia ficar sendo subalterna à metrópole, diante das mudanças sociopolíticas e econômicas feitas pela família imperial no período em que ficou na terra tupiniquim. E foi a partir dessa questão que a elite fundiária se juntou ao príncipe regente Dom Pedro e iniciou os trâmites para a declaração da independência. Por isso, o ato deve mesmo ser lembrado e celebrado, ainda mais porque são poucos aqueles que valorizam a cultura e história nacional, o que mostra como a população não se importa com o patrimônio nacional.