Na onda do anti-bolsonarismo e no cerco de empresários que estiveram próximos ao ex-presidente Jair Bolsonaro, as investigações avançam sobre uma gigante, que não apenas se manteve próxima ideologicamente ao grupo, como teve lucros milionários com um dos mais controversos episódios: o uso da cloroquina e da ivermectina para combater a Covid.
O império da EMS, erguido por Emiliano Sanchez e seu filho Carlos Sanchez, com continuidade agora, com a terceira geração, tendo Leonardo Sanchez como CEO da empresa, foi construído no mundo dos genéricos, com a quebra de patentes de grandes laboratórios, que investiram bilhões em pesquisa e para descobrir novas drogas. Alguns embates judiciais foram necessários, nem sempre vitoriosos, porém, a pandemia colocou a brasileira EMS em posição privilegiada.
Além do Judiciário, a EMS coleciona uma relação de proximidade com os Poderes. Antes de desembarcar como apoiadora e fã de Bolsonaro, a empresa esteve muito próxima do Partido dos Trabalhadores. Chegou a contratar formalmente o ex-ministro José Dirceu como consultor e com a missão de escancarar as portas do Ministério da Saúde. Caiu na Lava Jato e foi acusada de pagar contas de campanha de candidatos endividados.
Mas é no governo anterior que foi formado o maior telhado de vidro da farmacêutica. Enquanto a classe médica condenava o uso da Cloroquina, a EMS fabricava em massa este medicamento, recorrendo ao amigo Bolsonaro para conseguir na Índia os insumos necessários para a sua fabricação.
O que tem despertado a atenção do Ministério Público Federal e da Polícia Federal é que, ao contrário dos empresários apanhados em bravata em grupos de WhatsApp, a EMS pisou no acelerador na oportunidade de ganhar muito dinheiro com o Kit Covid. A relação com o governo anterior inclui também a venda de Viagra para a Marinha e empréstimos que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) teve de se contorcer para justificar.
Uma receita com alto teor de lucratividade pode definir o retrospecto do laboratório EMS, cujo faturamento, com o chamado kit covid, na era Bolsonaro, cresceu oito vezes em 2020, atingindo a cifra de R$ 142 milhões em vendas de medicamentos, sob a justificativa de 'tratamento precoce', publicou, no ano seguinte, o site Carta Capital, como também pela Folha de S. Paulo.
O montante milionário auferido pela EMS foi reconhecido pela mesma, durante a CPI da Covid, a pretexto de 'combater a pandemia', embora sua ineficácia tenha sido amplamente comprovada. Já a ivermectina respondeu por metade (R$ 71,1 milhões) do faturamento do laboratório, igualmente em 2020, um verdadeiro 'salto', ante o faturado no ano anterior (R$ 2,2 milhões). Também inócua para debelar o vírus pandêmico, a azitromicina teria rendido outros R$ 46,2 milhões.
Além das quantias mencionadas, a hidroxicloroquina, composto da cloroquina e principal componente do "kit covid", reforçou o caixa da farmacêutica em R$ 20,9 milhões em 2020, segundo informações prestadas à CPI. Somente no fim do primeiro semestre de 2021, as vendas do comprimido pela EMS superaram o montante de R$ 11 milhões, sem contar outros R$ 19,2 milhões a serem faturados na segunda metade daquele mesmo ano.
Na ocasião, para viabilizar a 'fatura', o então presidente providenciou, junto à Índia, a carga necessária de cloroquina, um dos principais ingredientes do kit. Em telefonema transcrito no telegrama e endereçado ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, Bolsonaro solicita a liberação de uma carga de 530 quilos de hidroxicloroquina para a EMS. "O sucesso da hidroxicloroquina para tratar a Covid-19 nos faz ter muito interesse nessa remessa indiana. Estou informado de que um carregamento de 530 quilos de sulfato de hidroxicloroquina está parado na Índia, à espera de liberação por parte do governo indiano. Esse carregamento inicial de 530 quilos é parte de uma encomenda maior, e foi comprado pela EMS", sustentou Bolsonaro.
Ante a divulgação de números de faturamento de tal magnitude pela EMS, foram encaminhados diversos requerimentos à CPI, solicitando a quebra dos sigilos bancário, telefônico e telemático do empresário bilionário Carlos Sanchez, que se autointitula o 'rei do genérico', mas a iniciativa não prosperou.
Há um mês, o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, anunciou a intenção de rever todas as ações abertas, em decorrência das conclusões da CPI da Covid-19. Entre elas, a que pedia o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por supostos crimes contra a saúde pública durante a pandemia. Anteriormente, as investigações em curso haviam sido arquivadas pelo antecessor de Gonet na PGR, Augusto Aras.
"Nós temos, inclusive, dados da CPI para serem avaliados, elementos que foram [encontrados] durante esse período. Vamos reanalisar aquilo que for possível realizar ainda em termos de análise e de repercussão jurídica do que foi feito, e do que deixou de ser feito", admitiu Gonet, em entrevista concedida ao canal GloboNews.
Na oportunidade, juntamente com a apresentação do parecer da CPI no Senado, elaborado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), foram apresentados 81 pedidos de indiciamento. Dessa lista, além de Bolsonaro, estariam incluídos os ex-ministros Eduardo Pazuello, Marcelo Queiroga e Onyx Lorenzoni.
BNDES reforça o apoio federal à farmacêutica
A despeito de sua ineficácia comprovada por estudos científicos, o uso da cloroquina para tratamento contra à Covid-19 continuou a ser defendido pelo presidente Bolsonaro, a ponto de o BNDES, revela o site do PT, anunciar a liberação de quatro empréstimos de R$ 283 milhões para a Apsen e a EMS, fabricantes do medicamento à base de hidroxicloroquina, mais indicado para doenças reumáticas e decorrentes da malária. No país, são cinco as farmacêuticas que fabricam e vendem remédios com o composto: Apsen, EMS, Germed, Cristália e a multinacional francesa Sanofi-Aventis.
Com os avanços das investigações sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro, o nome de Carlos Sanchez e suas relações com Bolsonaro, a pergunta é clara: como um empresário que ganhou tanto dinheiro com as "loucuras" do bolsonarismo iria cruzar os braços para não perpetuar os seus padrinhos no Poder?
O cenário agora é bem mais hostil do que a CPI mista, na qual as relações estreitas com parlamentares ajudou a tirar o foco da família Sanchez e sobre seus negócios no período Bolsonaro. Como passarinho em mudança, a EMS tenta agora reconstruir seus laços com o PT e tem sido muito exitosa na abordagem da ministra da Nísia Trindade, que desde a Fiocruz, já possui relação com a EMS. Ela presidiu a fundação Manguinhos no governo anterior.