Por: Martha Imenes

'Vigia digital' no home office leva à demissão em massa

Monitoramento digital de funcionários pode ferir a legislação trabalhista e a LGPD | Foto: Divulgação

O uso de programas de monitoramento digital para mapear o comportamento de funcionários em home office (teletrabalho) reacendeu a discussão sobre os limites da tecnologia no ambiente de trabalho. A prática, que inclui o rastreamento de cliques e atividades online dos empregados, levanta questionamentos não apenas éticos, mas também legais. A avaliação é da advogada Daniela Correa, especialista em Direito Empresarial e Compliance.

Ela cita o caso do Itaú Unibanco - o maior banco privado do Brasil - que demitiu mil funcionários que trabalhavam em regime hibrido ou remoto. A instituição não confirma o número de demissões, mas disse que os desligamentos foram realizados após uma "revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada".

"Em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco", disse a instituição em comunicado.

A advogada adverte, no entanto, que o episódio sinaliza riscos sérios para empresas que optam por esse tipo de controle sem a devida regulamentação e transparência, inclusive com infração à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

"Monitorar cliques, acessos e comportamentos digitais de funcionários pode até parecer uma estratégia de gestão, mas, se não houver base legal clara, consentimento adequado e proporcionalidade, pode gerar violação tanto da legislação trabalhista quanto da LGPD", afirma.

Porém, segundo a especialista, a situação vai além da questão da privacidade: "No campo trabalhista, a utilização de dados digitais como critério para demissões pode ser interpretada como prática abusiva ou discriminatória, especialmente se não houver comunicação prévia sobre os parâmetros de monitoramento. Isso pode gerar passivos ocultos significativos para a empresa, inclusive com pedidos de indenização por danos morais".

Sem advertência

O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região criticou a decisão da instituição financeira ao afirmar que os trabalhadores foram dispensados sem advertência prévia e sem diálogo com a entidade.

 

Contrato deve ter cláusulas claras

Com a consolidação do home office e do modelo híbrido, especialmente após a pandemia, muitas empresas ainda cometem falhas na formalização desses regimes de trabalho. Contratos mal redigidos ou incompletos têm sido responsáveis por uma série de disputas judiciais, alerta a advogada Crislaine Teotonio da Silva, do escritório Natal & Manssur Advogados.

Crislaine destaca que a adaptação contratual não é apenas uma formalidade, mas uma exigência legal e estratégica. "Um contrato claro, ajustado à realidade da empresa, é uma garantia de transparência e segurança para todos os lados", afirma.

A especialista aponta os principais pontos que devem constar no documento para evitar problemas futuros:

Regime de trabalho bem definido: é essencial deixar claro se a atuação será integralmente remota ou híbrida, com especificação dos dias presenciais e do endereço onde o trabalho remoto será executado — informação relevante para fins de fiscalização e segurança do trabalho.

Jornada e controle de ponto: o contrato deve estabelecer o horário de trabalho, pausas e método de registro da jornada, inclusive em sistemas online ou aplicativos.

Equipamentos e reembolsos: cláusulas sobre fornecimento de computador, cadeira, internet e regras de reembolso ajudam a evitar litígios. É importante também definir responsabilidades em caso de dano ou extravio dos itens.

Segurança da informação: medidas de proteção de dados e uso adequado de dispositivos pessoais são indispensáveis para preservar o sigilo das atividades da empresa.

Teletrabalho está na lei e tem exigências

O trabalho remoto é regulamentado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) desde a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), com reforço posterior pela Lei nº 14.442/2022. "Seguir as diretrizes fortalece a relação entre empresa e colaborador, com segurança jurídica e respeito mútuo", explica a advogada Crislaine Teotonio da Silva, do escritório Natal & Manssur Advogados.

O regime oferece flexibilidade, mas está sujeito a condições específicas e ao cumprimento de regras estabelecidas pela legislação e pelas unidades de trabalho e empregadores.

O teletrabalho é previsto também em órgãos públicos federais, sendo o Decreto nº 11.072/2022 o principal marco legal que regulamenta o teletrabalho para servidores da Administração Pública Federal direta, autárquica e funcional, estabelecendo as regras e o funcionamento do Programa de Gestão e Desempenho (PGD), que visa o controle da produtividade e a melhoria da gestão de pessoas.

O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), em julho do ano passado, inclusive, publicou uma Instrução Normativa (IN) nº 21/2024, que alterou algumas orientações e diretrizes previstas na IN nº 24/2023, que veio depois do Decreto 11.072/2022.

Importante destacar que o trabalho remoto, público ou privado, é feito por adesão voluntária.