Bradesco transfere para união 40% da dívida bilionária da Americanas
"Receita cessante" é uma expressão usada no mercado financeiro, para explicar um crédito líquido e certo, que evapora. Neste caso, é obrigação que entraria nos cofres da União e foi desviada por um instrumento legal. O Governo Federal deixará de receber a quantia de R$ 1.800.000.000,00 (um bilhão e oitocentos mil reais) pela decisão do Banco Bradesco de empurrar para a "viúva" o seu prejuízo com as Lojas Americanas. Na prática, ocorreu exatamente isso. O possível prejuízo do Bradesco foi socializado e 40% do possível rombo do G3 já foi empurrado para o contribuinte.
Tudo isso com o aparato legal da Resolução do Banco Central BENCEN 2682 que dispõe sobre critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa. A resolução é de 21 de dezembro de 1999 e há muito tempo precisava ser atualizada.
A fórmula é simples. Ao determinar o lucro real do trimestre, o provisionamento para créditos duvidosos é abatido no imposto a pagar. Menos lucro líquido, menos imposto a pagar. O Bradesco anunciou nesta quinta-feira (9/02) que fez uma provisão extraordinária de R$ 4,9 bilhões para cobrir sua exposição total às Americanas. Com a jogada contábil, R$ 1,8 bilhões de imposto a menos.
Esta fórmula é lesiva à união. Os dividendos são privados e os prejuízos socializados. É, na prática, uma renúncia fiscal do executivo. A exemplo da Lei de Incentivo à Cultura, este conjunto de legislação é uma Lei de Incentivo ao Calote.
Neste caso, a União deveria reagir e o próprio Banco Central também. Ao provisionar R$ 4,9 bilhões, 40% pode ser deduzido do imposto a pagar. Só que neste caso a situação é diferente para o Bradesco. Não se trata da socialização da inadimplência de milhares de pequenos comerciantes. É uma dívida de um só grupo de CNPJ, que entrou em recuperação judicial e tem sócios bilionários que garantem a dívida. O banco fez a operação por sua conta em risco com um único cliente e agora deixa de recolher quase dois bilhões dos cofres públicos e provisiona de uma só vez toda a dívida para gozar do benefício fiscal. Os seus dois concorrentes, Itaú e Santander, foram mais comedidos e só provisionaram o equivalente a 30% da dívida das Americanas.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad e o presidente Lula, podem se dar ao luxo de perder R$ 2 bilhões de receita? Esta é uma previsão pessimista da receita cessante oriunda do calote do grupo Varejista.
É falácia a ideia que este imposto não recolhido será pago depois. O imposto é sobre o lucro do banco. O que foi provisionado, depois de um ou dois anos, cobre o passivo. É por isso que na recuperação de dívidas o banco costuma dar descontos estratosféricos. Na prática, o reembolso da inadimplência ocorreu com o dinheiro da "viúva".
Este mecanismo, no caso da Americanas, ficou exposto por se tratar de um único cliente. Nas pulverizações esta manobra passa despercebida. Cabe ao leitor, aos legisladores, ao Banco Central e ao Governo Federal uma reflexão: é justo um país em situação financeira tão delicada, bancar R$ 1.800.000.000,00 (um bilhão e oitocentos milhões de reais ), para amenizar o prejuízo de um banco privado? Lembrando que se a operação fosse exitosa, os dividendos seriam pagos aos acionistas com isenção fiscal. Lucro para poucos e prejuízo socializado e espetado na conta da União.
Situação vai piorar em 2025 para União
Com a promulgação da Lei 14.467/2, pelo presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi criado um regime específico para as instituições financeiras deduzirem as perdas com o não recebimento de créditos pelos clientes.
O texto foi publicado em 17 de novembro de 2022, no Diário Oficial da União. A norma tem origem na Medida Provisória 1128/22, aprovada sem alterações pelos deputados e pelos senadores. Na Câmara, o relator foi o deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE).
Atualmente, segundo Costa Filho, as instituições estão sujeitas ao regime geral de reconhecimento de perdas estabelecido para pessoas jurídicas pela Lei do Ajuste Tributário, de 1996, que prevê requisitos rígidos para a dedução de perdas decorrentes de créditos não pagos.
As novas normas valerão a partir de 1º de janeiro de 2025. Desta data em diante, os bancos podem deduzir as perdas na hora de determinar o lucro real (sobre o qual incide Imposto de Renda) e a base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), reduzindo a sua tributação.
A regra vale para operações inadimplidas (com atraso superior a 90 dias) e para operações com pessoa jurídica em processo falimentar ou em recuperação judicial (a partir da data da decretação da falência ou da concessão da recuperação judicial). A lei prevê fórmulas que deverão ser aplicadas pelos bancos para achar o valor das perdas dedutíveis. Na prática, o Bradesco utilizou no caso das Americanas a nova lei, já que não esperou o resultado da recuperação fiscal e deduziu R$ 1,8 bilhões a jato.