Por: Nathalia Garcia
Voltar a elevar as metas de inflação geraria desconfiança, afetando a credibilidade do Banco Central por ganhos pouco significativos. Essa é a opinião de grande parcela do mercado antes da próxima reunião do CMN (Conselho Monetário Nacional), nesta quinta-feira (23).
No encontro, o órgão colegiado definirá a meta de inflação a ser perseguida pelo BC em 2025, além de ratificar ou reajustar o objetivo fixado para 2023 (3,25%) e 2024 (3%).
O CMN é atualmente presidido pelo ministro Paulo Guedes (Economia) e composto pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e por Esteves Colnago, secretário especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia.
Segundo economistas ouvidos pela reportagem, a tendência é o conselho estabelecer novamente 3% como alvo em 2025, apesar da grande probabilidade de estouro da meta de inflação por dois anos consecutivos -e com um terceiro ameaçado.
Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e sócio fundador da Mauá Capital, defende a permanência da meta em patamar equivalente ao praticado pelos pares internacionais, ainda que o cenário inflacionário atual seja desfavorável.
"3% é uma inflação de país emergente. Para o Brasil, é um desafio, mas um bom desafio. [Voltar a subir a meta] é uma sinalização ruim, acaba tendo um custo que não precisa", afirmou.
No acumulado de 12 meses até maio, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) atingiu 11,73%. A estimativa do BC para a inflação de 2022 é de 8,8%, enquanto a mediana da pesquisa Focus é de 8,5% para este ano. Em ambos os casos, as expectativas já estão longe do teto da meta (5%). Em 2021, o IPCA atingiu 10,06%.
Para 2023, o BC e o boletim Focus projetam inflação de 4% e 4,7%, respectivamente, já encostando no limite de intervalo de tolerância (4,75%).
E as estimativas ainda devem se deteriorar, visto que as medidas tributárias sobre preços de combustíveis, energia elétrica e telecomunicações em tramitação no Congresso podem reduzir a inflação no curto prazo, não o suficiente para o cumprimento da meta em 2022, e elevá-la em menor magnitude no próximo ano, a ponto de talvez provocar um novo estouro.
Ainda assim, Ana Madeira, economista-chefe para Brasil do HSBC, acredita que uma mudança de rumo agora traria "mais ruído do que outra coisa". "É importante para a credibilidade do Banco Central manter os mesmos patamares, as mesmas metas", disse.
Sérgio Machado, sócio fundador e gestor da SF2 Investimentos, ressalta o valor da comunicação para que o BC preserve a confiança do mercado em sua atuação: "A consistência do discurso é mais importante do que a própria ação em si".
Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital, também considera que não é o momento ideal para anunciar alterações nas metas de inflação. Para ela, a margem de tolerância já é um mecanismo suficiente para lidar com choques inflacionários atípicos.
"Não é momento adequado para mexer na meta quando a gente precisa reancorar as expectativas longas do mercado, que estão muito deterioradas. Vai ser visto como uma senha para, de repente, tolerar uma inflação mais alta em detrimento de um cenário de estabilidade de preços mais perene. O sistema já tem flexibilidade suficiente", disse.
O sistema de metas de inflação foi adotado em 1999 para dar segurança à sociedade sobre os rumos da economia, evitando o risco de hiperinflação que atingiu o país nas décadas de 1980 e 1990.
O objetivo é fixado pelo CMN com três anos-calendário de antecedência de forma a reduzir incertezas e melhorar a capacidade de planejamento de famílias, empresas e governo, segundo o BC.
A meta serve como uma âncora para as expectativas dos agentes do mercado e, desde 2019, vem sendo reduzida em 0,25 ponto percentual ao ano até chegar aos 3%, em alinhamento com outras economias emergentes.
Marco Maciel, sócio e economista da Kairós Capital, ressalta que o CMN busca manter a meta de inflação mais baixa possível por causa dos padrões internacionais, ainda que as expectativas do mercado para o próximo ano mostrem que há pouca crença na convergência da inflação para o centro do alvo.
"É preciso colocar nosso centro da meta em linha com o resto do mundo, senão a gente paga o preço ou no câmbio ou na visão da competitividade da economia brasileira", afirmou.
Outro especialista que aponta o reflexo sobre a competitividade da economia brasileira é Margarida Gutierrez, professora do Coppead/UFRJ (Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
"Se a nossa inflação é maior que a dos nossos pares emergentes, isso tira competitividade das nossas exportações e gera uma série de efeitos nocivos à indústria", disse.
A economista considera que ainda não é o momento de recorrer à "meta ajustada", recurso utilizado pelo BC nos anos de 2003 e 2004, quando Henrique Meirelles ocupava o posto de presidente da autoridade monetária.
"O Banco Central pode usar o critério da norma ajustada, mas não o tempo todo. Isso descredencia o regime de metas de inflação. O principal objetivo do regime de metas é ancorar as expectativas de inflação, para isso precisa ter credibilidade", afirmou.
Segundo Rafael Cardoso, economista-chefe da Daycoval Asset, uma possível alta na meta de inflação para 2025 seria uma discussão difícil de ser encaminhada. "Será que vale o risco de você gerar esse atrito na comunicação para ganhar 0,25 na meta de inflação?", ponderou.
Ele observa que esse movimento só se tornaria menos custoso caso a discussão na sociedade ganhasse novos contornos. "Vamos supor que a gente entre em um mundo que vire consenso macroeconômico de que meta de inflação tem de ser maior, aí muda o jogo", disse.
Para Adalmir Marquetti, professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), essa mudança de paradigma pode não estar tão distante. A Guerra na Ucrânia se traduziu em novos choques inflacionários em todo o mundo em um momento em que a economia ainda se recuperava dos efeitos da pandemia de Covid-19.
O conflito provocou uma reorganização nas cadeias produtivas globais e, consequentemente, um aumento de preços tanto em economias emergentes quanto desenvolvidas até que um novo equilíbrio do sistema produtivo seja estabelecido.
"A gente vai conviver agora com taxas maiores de inflação. Isso também obriga o BC a repensar o estabelecimento das metas de inflação. Nos próximos dois anos, isso vai colocar mais limites sobre o crescimento econômico", disse.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, já disse em mais de uma ocasião que mudança de metas futuras não é uma decisão que cabe somente à autoridade monetária, além de não trazer ganhos para a atuação da autarquia no combate à inflação.
"O Banco Central tem um voto dentro de três votos do CMN. Isso pode ser debatido no CNM, mas a opinião do Banco Central hoje é que teria pouco a ganhar em termos de credibilidade", comentou Campos Neto, em março.