Secretário do GDF se demite após governador sancionar o Dia da Memória das Vítimas do Comunismo
Bartolomeu Rodrigues divulgou a ‘Carta aberta para Brasília’, em que classifica como 'abjeta a lei sancionada por Ibaneis Rocha (MDB)
O jornalista Bartolomeu Rodrigues deixou o cargo de chefe da Assessoria de Assuntos Institucionais do Governo do Distrito Federal nesta sexta-feira (24).
Em um comunicado intitulado ‘Carta aberta para Brasília’, ele diz que o motivo foi a sanção, pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), da “abjeta” lei que institui e inclui no calendário oficial de eventos do Distrito Federal o Dia da Memória das Vítimas do Comunismo, a ser comemorado anualmente no dia 4 de junho.
A sanção foi publicada no Diário Oficial do DF na segunda-feira (20), após aprovação na Câmara Legislativa. A nova lei tem sido muito criticada por entidades culturais e de direitos humanos, que a consideram uma tentativa de reescrever o passado histórico e relativizar crimes cometidos durante a ditadura militar.
“Comunico hoje a minha decisão de deixar o Governo do Distrito Federal, onde atuei como Secretário de Cultura e Economia Criativa e chefe da Assessoria Institucional, além de outras funções em órgãos colegiados. Não é apenas um ato político – é um imperativo ético ante a sanção de uma lei abjecta que institui uma data para celebrar a ‘memória das vítimas do comunismo’ no DF”, diz Bartolomeu.
Bartô, como é conhecido em Brasília, é amigo pessoal do governador e entrou no governo em 2019, como secretário de Cultura e Economia Criativa. Em 2023, após pedir exoneração do cargo, assumiu a Secretaria de Assuntos Institucionais.
Na carta divulgada hoje, ele afirma que “esta tentativa de revisionismo nega nossa história, reabre feridas e cria fantasmas onde não existem, enquanto ignora cadáveres reais, como o do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, cujo assassinato nos porões do DOI-Codi é lembrado justo neste mês de outubro".
Diz também que a nova lei “é uma agressão à memória de JK, de Oscar Niemeyer, de Darcy Ribeiro e de todos os que se sacrificaram na luta contra o arbítrio”.
Veja a seguir a íntegra do comunicado de Bartolomeu Rodrigues:
Comunico hoje a minha decisão de deixar o Governo do Distrito Federal, onde atuei como Secretário de Cultura e Economia Criativa e chefe da Assessoria Institucional, além de outras funções em órgãos colegiados. Não é apenas um ato político – é um imperativo ético ante a sanção de uma lei abjecta que institui uma data para celebrar a “memória das vítimas do comunismo” no DF.
Esta tentativa de revisionismo nega nossa história, reabre feridas e cria fantasmas onde não existem, enquanto ignora cadáveres reais, como o do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, cujo assassinato nos porões do DOI-Codi é lembrado justo neste mês de outubro. Há 50 anos, ele foi uma das milhares de vítimas de uma ditadura militar que, em nome do “anticomunismo”, institucionalizou a tortura como política de Estado.
Também neste outubro recorda-se o desaparecimento de Honestino Guimarães, líder da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília (FEUB). Em 1973, enquanto cursava Geologia na Universidade de Brasília (onde me formei), ele foi sequestrado pelo regime militar, submetido a sessões de tortura indescritíveis e só dado como morto em 1996. Tinha 26 anos. Nas palavras de Dom Paulo Evaristo Arns, “não há ninguém na Terra que consiga descrever a dor de quem viu um ente querido desaparecer atrás das grades da cadeia, sem mesmo poder adivinhar o que lhe aconteceu”.
Ver hoje o Distrito Federal, a capital da esperança sonhada por Juscelino (este também cassado de seus direitos políticos pela ditadura) adotar tal dispositivo é uma agressão à memória de JK, de Oscar Niemeyer, de Darcy Ribeiro e de todos os que se sacrificaram na luta contra o arbítrio. Representa ceder, a qualquer custo, às mentes mais retrógradas de uma página sombria de nossa história.
Por isso deixo o governo, mas não a luta. Enquanto tiver voz, lutarei para que se revogue esta infame lei, em nome das verdadeiras vítimas – aquelas que tombaram sob as botas da ditadura – e em nome da consciência que não me deixa calar. A consciência não se vende. A verdade não se apaga.
Bartolomeu Rodrigues