Sganzerle-se na telinha da TV Brasil

No mesmo domingo em que exibe o mítico 'O Bandido da Luz Vermelha', a emissora abre espaço para o primeiro longa da filha do cineasta: 'Mulher Oceano'

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Paulo Villaça é lava em erupção na narrativa de 'O Bandido da Luz Vermelha'

No mesmo domingo em que exibe o mítico 'O Bandido da Luz Vermelha', a emissora abre espaço para o primeiro longa da filha do cineasta: 'Mulher Oceano'

Abre o olho, Netflix, por que em matéria de brasilidade ao alcance de um clique... ou do zap do controle remoto... a TV Brasil tá dando de dez em muito streaming por aí, no empenho de levar longas-metragens com status de cult (mas que tocam em cheio no miocárdio do povão) para a televisão aberta. A prova (nota 10) é a presença de "O Bandido da Luz Vermelha" na grade deste domingão. Aí a concorrência perde, e feio. A transmissão será às 21h30.

O detalhe é que a noite de 30 de novembro na emissora educativa celebra esse marco latino-americano do chamado Cinema de Invenção, festejando seu DNA, não apenas com a presença (espiritual) de seu realizador, o catarinense de Joaçaba Rogério Sganzerla (1946-2004), como de sua filha, Djin. Atriz premiada e também cineasta, ela é cuidadora da obra do pai, ao lado da irmã, Sinai, e da mãe, a multiartista Helena Ignez, que dirige, atua e produz. Logo após a exibição do marco de público e crítica de 1968, centrado no marginal que transformou São Paulo num faroeste (do Terceiro Mundo) a céu aberto, o canal exibe, às 23h15, "Mulher Oceano" (2020), que fez de Djin uma diretora de prestígio internacional.

"Ver 'O Bandido da Luz Vermelha' exibido numa TV aberta, educativa, num domingo, para o público brasileiro como um todo, é algo muito especial. Esse tipo de exibição amplia o alcance da obra e permite que novas gerações tenham acesso a um filme que continua absolutamente atual, inquieto e vibrante", comemora Djin, que lançou um novo longa, "Eclipse", na Mostra de São Paulo, no fim de outubro. "Temos realizado um trabalho constante de difusão da obra do meu pai. A filmografia dele segue absurdamente pulsante, contemporânea. Recentemente, eu acompanhei várias exibições de 'A Mulher de Todos' (lançado por Rogério Sganzerla em 1969, com Helena Ignez num acachapante desempenho), que acabamos de restaurar, em 4k. É delicioso ver o quanto esse filme é comunicativo, de humor ímpar, com atuações magistrais, diálogos brilhantes e uma mise-en-scène incrível. O público sai das sessões verdadeiramente embasbacado. Em dezembro, o filme seguirá para a Coreia, o que nos deixa muito felizes".

Vanguardista para as plateias que o viram na estreia, "O Bandido da Luz Vermelha" ganhou o troféu Candango de Melhor Filme no Festival de Brasília de 1968. Sua narrativa é conduzida pela voz de interlocutores radiofônicos que anunciam o noticiário policial. Embrenhados pelas ruas da Boca do Lixo, o Quadrilátero do Pecado, autoridades se empenham na captura do criminoso do título (vivido por Paulo Villaça em estado de graça), temido pelas famílias de bem. Enquanto isso, Luz narra a sua escalada na senda do crime e reflete sobre a existência no país, cruzando com figuras marginalizadas como Janete Jane (papel de Helena Ignez).

"É um filme que todo brasileiro acima de 16 anos deveria ver pelo menos uma vez", orgulha-se Djin, que atuou na parte dois de "O Bandido", chamada "Luz Nas Trevas", dirigida por Helena e lançada mundialmente no Festival de Locarno de 2010, na Suíça, onde foi laureada pela crítica.

Apaixonado por "O Bandido da Luz Vermelha", o curador suíço Giona A. Nazzaro - que há cinco anos remodelou Locarno, fazendo do festival um dos mais prestigiados fóruns de imagem do planeta - foi um dos responsáveis pelo resgate do olhar de Sganzerla Atlântico afora.

"Se Sganzerla tivesse nascido na França, ou na Itália, ele seria reverenciado como um gigante entre os realizadores de seu tempo", disse Giona, quando exibiu "Documentário" (1966) e "Abismu"(1977), dois pilares da estética de Rogério, em terras helvéticas.

André Guerreiro Lopes/Divulgação - Djin Sganzerla estrela e dirige 'Mulher Oceano'

Sempre atenta aos caminhos do legado de seu pai, cujos filmes podem ser vistos na Europa na plataforma Filmin.Pt, Djin venceu o Cine PE, no Recife, em 2020, com "Mulher Oceano, que foi aplaudido em festivais na Espanha, nos EUA e em Portugal. Ela dirige e protagoniza essa iguaria sobre espelhamentos, dividindo-se entre duas figuras. Uma delas é uma escritora que, ao se mudar para Tóquio, dedica-se a escrever seu novo romance, instigada por uma das últimas cenas que presenciou no Rio de Janeiro: uma nadadora que tem seu corpo transformado em uma espécie de mar interior.

"O 'Mulher Oceano' representa um marco muito profundo na minha trajetória. É um filme que considero meu primeiro filho, não apenas por ser minha estreia na direção de longa-metragem, mas porque foi gestado dentro de mim durante anos, numa mistura de intuição, desejo e coragem", diz Djin. "Ele me deu muito, na felicidade de fazer exatamente o que eu mais desejava, que era dirigir e dar voz aos meus desejos e pensamentos cinematográficos. Ser uma diretora mulher ainda é mais difícil e isso torna o gesto ainda mais vital. Fiz um filme diferente do cinema que meus pais fazem. Procurei ser o mais fiel possível à minha personalidade".

Sucesso de público na Mostra de SP, "Eclipse", o experimento mais recente de Djin atrás das câmeras, tem lançamento comercial previsto para o fim do primeiro semestre de 2026, com distribuição da Pandora Filmes em conjunto com a Mercúrio Produções.