TV Brasil, uma cinemateca brasileira na telinha

Mudança de programação na emissora pública de viés educativo, numa celebração da democracia na arte, amplia o espaço para o cinema independente nacional na TV aberta

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Sensação da Berlinale 2014, 'Hoje Eu Quero Voltar Sozinho' integra a grade da TV Brasil

 Mudança de programação na emissora pública de viés educativo, numa celebração da democracia na arte, amplia o espaço para o cinema independente nacional na TV aberta  

Desde que abriu suas portas, na semana passada, com a projeção de "Depois da Caçada", de Luca Guadagnino, no Odeon, o Festival do Rio regularmente conta, em sua plateia, com a presença da roteirista e escritora que renovou a alma cinematográfica da TV Brasil: Antonia Pellegrino. Seu radar está atento aos títulos com chances de gerar impacto social. Marcou presença ainda num seminário sobre canais de TV e narrativas documentais, promovido no Rio Market, braço de negócios e de debates da maratona carioca, realizado no Armazém da Utopia, no Cais do Porto.

Sua presença recorrente ao evento, num sinal de respeito à sua relevância para a renovação de gerações cinéfilas, explica a transformação silenciosa pela qual a emissora pública (conhecida por seu viés educativo) hoje passa em relação à sua programação de filmes. Muito streaming de prestígio (e de mensalidade salgada) não tem as joias que ela tem levado ao ambiente da TV aberta. Embora prestigie títulos premiados em Cannes (como "Drive", de Nicolas Winding Refn) e ganhadores de Oscars (como "Blue Jasmine", com Cate Blanchett à luz de Woody Allen), a atual grade cinéfila que Antonia arquitetou celebra a autoralidade de nosso cinema dia após dia, em horário nobre.

Nesta quinta-feira (9), por exemplo, às 21h, Fernanda Montenegro, Tony Tornado, Miguel Falabella cruzaam o caminho de um Pedro Cardoso preocupado com as ruínas morais do Rio de Janeiro em "Redentor" (2004). Esse thriller cômico de Cláudio Torres impressiona com efeitos visuais dos mais inusitados para os padrões nacionais de sua época.

Neste sábado, às 16h, rola na programação da TV Brasil um dos títulos latino-americanos mais badalados da Berlinale de 2014: "Hoje Eu Quero Voltar Sozinho", produção com CEP em São Paulo que deu a Daniel Ribeiro o troféu queer Teddy e o Prêmio da Crítica na Alemanha.

"Buscamos títulos que representem sempre o melhor de nossa produção independente, trabalhando filmes que têm reconhecimento, mas ainda não possuíam lugar de destaque na televisão aberta", disse Antonia ao Correio da Manhã, dias após seu canal ter levado ao ar "Arábia" (2017), longa essencial para a consolidação do novíssimo cinema de Minas Gerais.

"No que a gente chegou aqui, em 2023, havia um repertório de filmes ligados a uma imagem retrô sintonizada ao governo anterior, com a cara de um Brasil do passado, meio anos 1950, no qual as mulheres ficavam em casa e as populações negras eram representadas como se fossem cidadãs de segunda classe. Buscamos logo comprar novas licenças a fim de atualizar esse imaginário de Brasil. Queremos dialogar com muitos públicos, pois esse é o papel de uma TV pública. Isso significa termos filmes de experimentação de linguagem, mas também termos filmes comerciais. Porém, serão filmes comerciais bons".

Sem descuidar da seara indie estrangeira, em seu empenho de oferecer ao país uma dieta de 34 horas de programação cinematográfica semanal, a TV Brasil escalou para esta sexta, às 21h, "Cadê Você, Bernadete" (2019), de Richard Linklater. Escalou ainda um Scorsese literalmente divino para o domingo, às 21h30: "Silêncio" (2016), com Andrew Garfield. Antes, tem Brasil, na exibição de "Família Craft e o Código Da 20" (2021), de Henrique Freitas, às 16h.

Divulgação - 'Rânia' é a aposta da TV Brasil para a madrugada de segunda, à 0h

Já para a virada do domingão para segunda, à 0h30 do dia 13, rola "Rânia" (2011), tocante drama cearense de Roberta Marques. Em sua trama, quando a jovem personagem título (vivida por Graziela Felix) conhece a coreógrafa de dança contemporânea Estela (Mariana Lima), ela encontra uma oportunidade única de realizar seu sonho e se tornar bailarina profissional. O grupo de dança de Estela está se preparando para se apresentar no exterior e, para segui com a trupe, Rânia precisará da permissão de seus pais para viajar. Sem o consentimento de seu pai, a adolescente terá que pedir um favor ao gringo Belga (Rob Das).

"O papel do cinema numa TV pública é formar plateia e isso, com a gente, é feito a partir de uma estratégia de diversidade. Hoje eu passo um Woody Allen e, amanhã, você fica com a gente para ver 'Arábia'. É esse o mix que nos interessa", diz Antonia, que marcou seu nome da prosa brasileira com o livro "Cem Ideias Que Deram Em Nada", onde monta um puzzle do cotidiano em flashes das angústias nossas de todo dia.

Posicionada num posto de liderança numa emissora voltada a toda a gente desta nação (mas especialmente impactante entre as classes C, D e E, numa faixa etária 60 ), Antonia se apaixonou pelo cinema brasileiro depois de ver "Vidas Secas" (1963) numa mostra em Botafogo e não largou mais o osso. Encantada com a potência de nossa filmografia, ela já tem no gatilho para futuras transmissões da TV Brasil "Febre do Rato" (2011), de Claudio Assis; "Um Filme de Cinema" (2015), de Walter Carvalho; e "Beijo No Asfalto" (2017), de Murilo Benício.