TV aberta com jeitão de streaming

Rede pública de orientação educativa, TV Brasil se torna, semana a semana, um dos mais atraentes e diversificados pontos de encontro do cinema autoral brasileiro

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Em 2003, 'O Homem do Ano' arrancou de Murilo Benício uma atuação magistral

Dizem que a televisão saiu de moda nestes tempos de streaming, com a audiência das redes a cabo em risco de redução e com crises na relação do país com as novelas, mas a TV Brasil tem surfado na contramão dessa marola. Pegando onda na excelência do nosso cinema, ela utiliza a grade que tem, sobretudo nos fins de semana, para oferecer ao público um cardápio de filmes nacionais de dar inveja às plataformas do reino digital.

Este fim de semana, então, a euforia de brasilidade no canal se espalha por vários horários e, em cada um deles, promove a celebração da autoralidade. De cara, no sábado, às 16h, tem filme vencedor do Festival do Rio, "Mutum", que nasceu na Quinzena de Cannes, em 2007, e ganhou mundos.

Divulgação - 'Mutum' passou por Cannes e pela Berlinale, além de vencer o Festival do Rio

Com direção de Sandra Kogut, o longa brilhou na Croisette, venceu o Redentor na Première Brasil e foi projetado na mostra Geração da Berlinale. É um ensaio sobre as agruras de crescer, derivado da literatura de Guimarães Rosa (1908-1967). Na companhia do irmão, Thiago (Thiago da Silva Mariz) precisa enfrentar as lições de vida, para atingir sua maturidade. Sua infância é lentamente deixada para trás, vivendo numa mata por vezes assustadora, deformada por uma miopia que o olhar corriqueiro não detecta, acossado por um pai feroz (João Miguel). Às 2h30 do domingo, a emissora faz um repeteco de "Mutum", o que pode aplacar o desejo de cinema de quem chega da balada.

Às 21h, a TV Brasil se abre para um inspirado flerte de nossa indústria cinematográfica com as cartilhas do thriller: "O Homem do Ano" (2003), de José Henrique Fonseca. O romance "O Matador", de Patrícia Mello, serviu de argamassa para esse mergulho na cultura do assassínio de aluguel na Baixada Fluminense, que contou com um titã da prosa, Rubem Fonseca (1925-2020), pai de seu realizador, na feitura do roteiro. A produção conquistou menção honrosa na disputa pelo prêmio Horizontes Latinos de San Sebastián, há 22 anos. Murilo Benício tem uma atuação devastadora como Máiquel, um perdedor profissional que, após perder uma aposta, é forçado a tingir os cabelos e, numa provocação, marta um "bicho solto" que geral odeia. O que deveria ser tratado como um crime hediondo faz dele um herói e engata uma carreira de morte por encomenda. Natália Lage é um dos destaques do elenco de um cult fotografado por Breno Silveira (1964-2022), o diretor de "2 Filhos de Francisco" (2005).

Divulgação - O Peixonauta é um dos personagens brasileiros mais exportados pelo mundo

Se o sábado tem esse tantão de bom pra quem gosta de ficar em casa vendo filme, o domingo da TV Brasil é de estourar rojão, para todas as idades. Já às 16h, "Peixonauta - Agente Secreto da O.S.T.R.A." (2012), de de Célia Catunda e Kiko Mistrorigo, aproxima a gurizada do fundo do mar e dos encantos da animação made in São Paulo. Na trama, a Organização Secreta para Total Recuperação Ambiental... ou Ostra... é o objeto do desejo do astronauta de guelras e nadadeiras que ganhou espaço em TVs de uma considerável porção deste planeta.

Divulgação - 'O Desmonte do Monte' fecha a grade cinéfila do canal público no domingo

À noite, a TV Brasil cai na real, num programa duplo de documentários. Às 21h30, "A Pessoa É Para O Que Nasce" (2004), de Roberto Berliner, narra o périplo das cantoras Regina, Maria e Conceição, especialistas no ganzá e na resiliência, em curso pelo Nordeste. Às 23h15, é a vez de "O Desmonte do Monte" (2017), em que Sinai Sganzerla detalha erosões políticas no Rio a partir da geografia do Morro do Castelo.

Na TV por assinatura, o Canal Brasil não esmorece em sua devoção a expressões fílmicas das regiões brasileiras. De olho na tradição, a emissora resgata um blockbuster dos anos 1960: "Roberto Carlos Em Ritmo de Aventura" (1967), com sessão neste domingo, às 22h.