A 'Copa' de Garcia-Rooza na TV aberta
TV Brasil resgata o memorável 'Achados e Perdidos' de José Joffily, baseado num dos best-sellers do escritor, referência em estudos do inconsciente à luz de Freud
Ao cartografar seus personagens, numa entrevista para o Correio da Manhã, o escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza (1936-2020) foi ao âmago de Vieira, policial envolvido com a vida noturna de Copacabana, no romance "Achados e Perdidos", a fim de entender sua bestialidade. No olhar de seu autor: "O Homem é mau, e violento, potencialmente. Até o Espinosa, delegado que aparece em meus livros, mas, pela ética dele, potência não vira ato: a violência não sai dele". Em 2005, Vieira ganhou as telas, encarnado em Antonio Fagundes, numa atuação seminal. Às 21h deste sábado, a versão homônima de um dos livros mais seminais da prosa criminal brasileira vai ganhar espaço nobre na TV Brasil, numa comemoração mais do que bem-vinda de seus 20 anos nas de estreia. A direção (impecável, aliás) é de José Joffily, que deixou o popular Espinosa de fora.
Tramas como as de "Achados e perdidos" (1998) e "Na Multidão" (2007) fizeram Garcia-Roza um sinônimo de excelência em nossa literatura. Há tempos, o gênero acolheu o professor da UFRJ e da Uerj - referência nacional nos estudos de Psicanálise, por ensaios seminais como os de "Freud e o Inconsciente", que ele publicou em 1987, e é estudado até hoje como leitura obrigatória em cursos de Comunicação e Psicologia.
Desde 1996, com "O silêncio da chuva", Garcia-Roza escreve sobre investigações, assassinatos e rotinas de delegacia. Outro de seus romances sobre crime, "Berenice procura" (2005), ganhou uma livre adaptação para o cinema, sob a direção de Allan Fiterman, com Cláudia Abreu no papel central, que hoje está em cartaz no circuito brasileiro.
"Freud não entra no que escrevo. Nem Freud entra. Nem ele, nem a Filosofia, pois seria a morte da possível literatura que busco produzir, marcada pela presença maciça do Rio de Janeiro, de Copacabana. Meu campo ficcional é o universo dos agentes de um aparelho do estado: a Polícia", dizia o autor.
Fotografado com a luz dionisíaca de Nonato Estrela, os "Achados e Perdidos" de Joffily mostram Vieira (Antônio Fagundes) como um delegado aposentado que vive um caso com Magali (Zezé Polessa), uma garota de programa. Quando ela é encontrada morta em sua casa, amarrada nua à cama e com um saco de plástico na cabeça, Vieira logo é considerado pela polícia como o principal suspeito do crime. Em meio às suspeitas, Vieira se envolve com Flor (Juliana Knust), uma jovem prostituta que era também muito amiga de Magali, e passa a ser chantageado por um velho companheiro da polícia, que agora é político.
Em 2018, Garcia-Roza voltou aos cinemas com "Berenice Procura", uma gema preciosa que não ganhou o devido valor em seu lançamento. É uma produção que merece entrar no radar da TV Brasil, que, ainda neste sábado, às 16h, exibe "O Palhaço", de Selton Mello.
Em ascensão nas telas depois de seu inquieto trabalho em "Aos Teus Olhos" e "Canastra Suja", firmando-se como um dos talentos mais potentes do audiovisual nacional da atualidade, o fotógrafo Azul Serra empresta a "Berenice procura" um colorido saturado, meio brega, quase na linha da estética neon noir dos anos 1980. Essa luz dá a este doloroso thriller um prisma vintage. Esse sabor de "foi aí", de coisa antiga que ficou, é reforçado pela escolha do táxi como signo de deslocamento numa cidade (o Rio) e num tempo (o hoje) que andam de Uber. Esse toque retrô logo dá lugar a uma sensação de permanência (e um gosto de universalidade) no modo como o diretor Allan Fiterman (de "Embarque Imediato") dialoga com o gênero - o suspense policial - pela via dos afetos, a fim de fazer uma geopolítica do submundo carioca. A luminosa atuação de Cláudia Abreu como a taxista que, ao investigar um assassinato, passa em revista a ruína de sua vida íntima, ajuda ainda mais a escavar camadas emotivas num contexto de intriga. O inflamável roteiro é de Flávia Guimarães e de José Carvalho e se estrutura como se fosse um ensaio sobre desejos represados.