Semana após semana, a TV Brasil, em nova gestão, tem surpreendido sua audiência não só com o obrigatório novo "Sem Censura" (apresentado por Cissa Guimarães), mas com uma programação de filmes memorável, capaz de rivalizar com qualquer emissora ou streaming de peso, com direito - amanhã - a "Drive". Treze anos depois de sua consagração internacional, o filme que transformou Ryan Gosling num astro, vai estar na grade da TV Educativa. A transmissão será nesta sexta, às 21h. Gosling é dublado por Márcio Araújo na versão brasileira.
Em 2011, esse thriller sobre quatro rodas rendeu ao cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes. À época de sua incursão cannoise, ninguém deu muita bola para a participação de Refn entre os concorrentes, com algo que parecia ser um filme de corrida estilizado, e só. Um filme sobre um dublê especializado em pilotagem que, à noite, dirige para assaltantes em roubos arrojados. Na hora H, Refn disse à Croisette a que veio. Antes, ele já havia atraído atenções com "Pusher" (1996), "Medo X" (2003) e "Bronson" (2008).
Já nas primeiras sequências, sua evocação à década de 1980 impressionou, sobretudo a partir da alusão a "Atraídos Pelo Perigo" ("No Man's Land", 1987), de Peter Werner, que lhe serviu como "fábula de apresentação", termo técnico da escrita de roteiro para a introdução de personagens. Na sequência, o Palais des Festivals deleitou-se ao ver Gosling num papel sem nome - chama-se apenas O Motorista - em modo samurai. Ele aparece sempre taciturno e focado, disposto a tudo para conseguir paz para a mulher por quem está apaixonado (Carey Mulligan). Ela tem um filho com um marginal fracassado (um Oscar Isaac em início de carreira). Num vacilo, esse bandidinho atrai a antipatia de um exótico gângster, Bernie Rose, papel que tirou a poeira há anos depositada sobre os ombros de Albert Brooks. O comediante por trás de "Relax" (1985) e "Um Visto Para o Céu" (1991) fez ali uma interpretação magistral, coroada com uma indicação ao Globo de Ouro, num papel sem riso, pautado pela vilania. Num determinado momento, o Motorista, em meio ao conserto de um carro, cheio de graxa nos dedos, tromba com Bernie pela primeira vez, que lhe estende a mão para um cumprimento. Gosling, impávido, apenas olha e diz: "Minhas mãos estão sujas". Brooks devolve o olhar e crava: "As minhas também", referindo-se ao histórico de crimes em seu passado. Dali para frente, um choque de forças vai se estabelecer diante do olho da plateia.
Seu primeiro público, o de Cannes, saiu chocado com a maneira como Refn conseguiu extrair poesia de uma matéria tão desgastada quanto as histórias de acerto de contas. Refn já havia demonstrado potência em seu poderoso "Valhalla Rising" ("Guerreiro Silencioso" por aqui), de 2009, hoje na grade da Amazon Prime, com Mads Mikkelsen em estado de graça. Ali o que se via era um estudo sobre a violência, mais do que um exercício de gênero. "Drive", não. Esse é um misto dos dois... e algo além. Acabou que o realizador saiu de Cannes laureado por um júri presidido por Robert De Niro.
Baseada em romance homônimo de James Sallis, traduzido no Brasil, essa tensa produção de US$ 15 milhões faturou US$ 78 milhões e ainda concorreu ao Oscar de edição de som, configurando-se como marco da ação. Refn fez ainda mais duas joias: "Só Deus Perdoa" (2013) e "Demônio de Neon" (2016), ambos lançados por Cannes.
Neste sábado, a TV Brasil exibe a produção brasileira "Guerra de Algodão" (2018), de Marília Hughes e Cláudio Marques, às 21h. No domingo às 15h45, o canal transmite o drama esportivo "10 Segundos Para Vencer", de José Alvarenga Jr., sobre o boxeador Éder Jofre (1936-2022).