Globo exibe 'A Comédia Divina', com a brilhante Monica Iozzi e Murilo Rosa no elenco

Joia de Toni Venturi extraída do garimpo da fantasia, ganha nova vitrine para brilhar no 'Corujão' da Globo, com o filme sempre envolto de ironia.

Por Rodrigo Fonseca |Especial para o Correio da Manhã

Murilo Rosa transforma o Diabo num pastor cheio de fé na maldade alheia em 'A Comédia Divina'

Firme e forte em seu propósito de renovar os laços da TV aberta com o cinema de autor, a Globo abre espaço nesta madrugada, às 2h30, para uma provocativa reflexão sobre o Bem e o Mal nos tempos da mídia "A Comédia Divina" (2017). É um acertado exercício da dramaturgia brasileira nas veredas da fantasia. Bamba nos gramados do real, seja no documentário (vide "O Velho - A História de Luiz Carlos Prestes") seja no drama social (vide o premiadíssimo "Estamos Juntos"), o diretor Toni Venturi avança pelo terreno do humor para discutir os limites morais entre a fé a liberdade plena... sobretudo a liberdade de pensar. Nas raias do terror, o filme teve projeção no Festival do Rio 2017 e no Fantasporto, de Portugal, em 2018. Sua dramaturgia nasceu do conto "A Igreja do Diabo", de Machado de Assis, e faz de Satanás (defendido com todo o carisma que Murilo Rosa tem) seu protagonista.

É uma oportunidade boa o que a TV Globo oferece hoje: a chance de se contextualizar sob novos prismas (em especial, o da ressaca do governo Bolsonaro) um filme nacional que soube mapear nossos traumas metafísicos. O desempenho de Murilo é impecável. Cada gestual do ator amplia a investigação proposta por Venturi acerca da fronteira entre o tal "jeitinho" do povo brasileiro e a falta de caráter.

Sempre calçado na ironia, seu enredo se estrutura como um estudo sociológico sobre os mitos da ruindade. No roteiro, o Diabo cansou de ser obsoleto. Anda fatigado diante da sensação de ser menos assustador do que as atrocidades dos mortais. Em revolta, ele vai encarar o Divino - no caso, Deus - representado pela atriz Zezé Motta. Em sua zanga, Satã decide que vai seguir o papel de evangelizador, fundando uma seita. Toma essa decisão ao perceber que gritos de "Quem quer dinheiro" funcionam para atrair multidões desoladas. Em sua política de pão e circo, ele atiça gula alheia, ao oferecer hambúrgueres no lugar de hóstias.

Em meio ao circo demoníaco criado pelo Anjo Caído, uma jornalista passa a servir como baliza para a derrocada da bondade que nos restou. A jornalista Raquel (Monica Iozzi, brilhante em cena) é uma repórter de escrúpulos duvidosos que cai nas garras do demo e se empapuça de suas cutículas com o desejo de brilhar na TV. Sua ambição serve de combustível para a fogueira das vaidades incendiadas pelo personagem de Murilo.

Num dado momento, percebe-se uma fagulha de afeto no ar, pois Raquel tem bom coração. Só que Monica dribla determinismos líricos e ranços melodramáticos, apostando numa figura tridimensional, que chafurda no enxofre da cobiça quando vê os holofotes da oportunidade. O grande achado de Venturi no longa-metragem é abrir uma investigação sobre que existe de demoníaco em gente como a gente.

Visualmente, a direção de arte de Ana Rita Bueno acentua as incongruências entre Céu e Inferno, sem resvalar em objetos cênicos óbvios. A dionisíaca direção de fotografia é de Carlos André Zalasik.

Embora esteja imersa nos feitos do "Big Brother Brasil", a Globo amplia seus laços com filmes que não foram devidamente aproveitados em seu lançamento comercial em circuito exibidor a sci-fi "Tomorrowland - Um Lugar Onde Nada É Impossível" (2015), de Brad Bird. Estrelado por George Clooney, o longa será exibido na sexta, às 15h25, na "Sessão da Tarde".